quarta-feira, 24 de julho de 2013

SOBRE LÚCIA






Tenho alguns amigos queridos, dos quais já escrevi sobre. Outros já me pediram que fizesse alguma postagem em sua homenagem, uns até bem interessantes, outros nem tanto. A personagem de hoje poderia ser fictícia, mas é bem real, uma amiga muito querida que não pediu pra que eu escrevesse sobre ela, nem trata-se exatamente de uma homenagem, mas depois de nosso último encontro, sinto uma necessidade absurda de postar um texto que fale dela.

Ontem, após um encontro delicioso, depois de três meses sem nos vermos, regado a um saborosíssim frisante rosé, acompanhado de um jantar gourmet maravilhoso, deixei Lúcia com a seguinte frase: " Quando eu penso que você não pode mais me surpreender, você se supera." E assim é Lúcia uma grandessíssima caixa de surpresas, que me fascina e, às vezes, assusta.

Sou amigo de Lúcia há exatos dois anos. Nos conhecemos no trabalho, uma empresa chinfrim de telemarketing, onde a gente sabia que estava só de passagem. A identificação com Lúcia foi imediata, nos adoramos no primeiro instante. O papo foi sobre cinema e viagens. E de lá pra cá, vivemos muitos momentos legais. Dos hilários surtos dela com clientes ao telefone à confidências amorosas secretas, temos divertidas histórias juntos.

Lúcia é acima de tudo uma mulher extremamente interessante. Ela é culta, inteligente, aventureira, chique, elegante e completamente louca. Tem mais de 40 anos e o pique e a vitalidade de uma garota de 20. Lúcia tem fome de viver e vive intensamente cada segundo. É uma montanha-russa de emoções. Lúcia é bipolar. Presenciei um de seus surtos homéricos dentro de um ônibus, quando esse atrasou 40 minutos, fazendo-a perder a hora de um compromisso importante com um de seus inúmeros pretendentes. Naquele dia, conheci quem era Lúcia de verdade, e continuei amando-a.

Lúcia é viajada. Fala inglês, arranha no francês, espanhol e italiano. Não gosta muito de homem brasileiro. Foi casada com um empresário grego, com direito a ser conduzida até o altar, vestida de noiva em cima de um burrico, tal e qual Cláudia Abreu na novela "Belíssima", lembram? Já namorou diplomata francês, sommelier italiano e até traficante argentino. Seu currículo amoroso é extenso, vai muito além desses gringos que ela adora. Também já foi perdidamente apaixonada por um suburbano paulista, que foi preso por não pagar pensão ao filho. Do pé-rapado ao endinheirado, Lúcia se apaixona e se entrega de corpo e alma. Ela é intensa.

Bailarina clássica, de vez em quando Lúcia faz um bico ou outro como professora de ballet, mas em outros tempos brilhou em palcos cubanos, argentinos e europeus, tendo até um breve "affair" com uma de suas coreógrafas, a famosa Deborah Colker.  

Lúcia mora num minúsculo apartamento na Alameda Lorena, nos Jardins. Cercada por livros, revistas, cd's, dvd's, bonecas Barbie, sapatilhas, pequenos objetos que trouxe de vários lugares pelos quais passou, fotografias de amigos e momentos especiais e dois gatos angorá, Jean Paul e Simone, ela curte seu aconchegante cantinho, cozinhando delícias para os amigos (seu tempero é espetacular) e preparando bons "drinks". Na casa de Lúcia sempre se houve música da melhor qualidade. As paredes são rabiscadas com frases célebres de pensadores e poetas como Fernando Pessoa e Clarice Lispector. É um templo do bom gosto.

Lúcia poderia ter uma vida de socialite, estilo mulheres ricas. Casada com um bom partido, sempre vestida de grifes, com um carro na garagem e uma gorda conta bancária, mas preferiu ser livre, "pobre" e feliz. Recebe uma modesta pensão do ex-marido e esporadicamente faz eventos como hostess em hotéis, clubes e restaurantes de luxo.

Lúcia não dispensa nunca seu baseado. Diz que já experimentou de tudo e nunca virou uma viciada decadente. Eu não acho legal a coisa da maconha, mas já me acostumei, e é como ela diz, a gente se respeita, eu não encho o saco e ela não fica querendo que eu experimente. Ela é a única pessoa que eu tolero fumando na minha frente.

Lúcia é tão deliciosamente maluca! Ela já mostrou os seios pra um vizinho que ofereceu $50 só pra vê-los, ela barganhou e levou $100. Quando ele quis tocá-los, ela pediu $200. Ele desistiu. 

Um dia, Lúcia voltava caminhando do trabalho, um carro a abordou confundido-a com uma GP. Ela não titubeou, entrou no carro e recebeu um trocadinho pra champanhe francesa. Ela é livre, amoral e adora sexo.

Noutro dia, uma segunda-feira quente de dezembro, exaustos depois de mais um dia de trabalho, paramos num boteco que de fino não tinha nada, mas era muito gostoso, a cerveja estupidamente gelada e os pratos nordestinos uma tentação. Entre uma cerveja e outra, conversa vai, conversa vem, surge Rocco, um belo homem moreno, alto, atlético, tinha seus 38-40 anos. Puxou assunto, sentou com a gente e Lúcia sempre falante, espontânea, já mais pra lá do que pra cá, desandou a falar mais, puxou o cara pra dançar e se insinuou a noite toda. Eu, um pouco tímido com pessoas novas, mais ouvia e ria que falava e quando Rocco tentava puxar algum papo comigo, Lúcia logo tratava de chamar a atenção pra si novamente. A noite terminou às quatro da manhã no zero a zero pra todo mundo, porque Lúcia estava louca pelo cara, que estava a fim de mim, que bobo, fiquei sem graça de demonstrar interesse e deixei ela dominar a cena. Rocco como um verdadeiro cavalheiro não deixou suas intenções explícitas, talvez pra não chatear Lúcia e foi embora educadamente. Ao lembrar dessa história eu e Lúcia damos boas risadas. Acabamos dormindo só os dois, em sua cama de casal, sem o Rocco.

Uma vez Lúcia foi presa por desacato a autoridade.

Lúcia já fez sexo num cemitério em Buenos Aires.

Lúcia já trabalhou num navio.

O melhor chocolate quente com conhaque que já tomei foi feito por Lúcia. Que também já me preparou um fondue inesquecível.

Eu e Lúcia já ficamos de mal, por causa de bobagens, mas não conseguimos ficar muito tempo separados.

Nosso último jantar foi um luxo e tudo ia às mil maravilhas, qual não foi minha surpresa, quando ela me disse que me apresentaria seu mais recente "peguete". Fiquei curioso. Depois de comer, beber e papear bastante, o dito cujo chegou. Quando vi o garoto, perdi o fôlego, não conseguia acreditar no que meus olhos viam. Pensei que Lúcia havia pirado de vez. O menino aparentava uns 18 anos, um moleque, quase um marginal, saído do Jd. Ângela, um dos bairros mais perigosos de São Paulo, dentro de um apartamento no Jardins! Entrei em pânico. Lúcia descolada, percebeu minha terrível surpresa e logo tratou de amenizar o clima tenso que se instaurou. Logo consegui trocar duas palavras com o moleque, mas só. O ambiente se transformou, eu já estava demais ali, Lúcia teria uma noite regada a muita maconha e sexo com aquele adolescente recém saído da menor idade, e eu senti urgência em me mandar rapidamente. Mal consegui comer a sobremesa. E ao me levar até a porta, Lúcia me abraçou fortemente e deu aquele sorriso maroto como quem diz: "não me julgue, eu só estou vivendo." E apesar de chocado, achando que ela passou um pouco dos limites, eu não julguei.

Quem sou eu pra julgá-la? Apenas um cara certinho, que não gosta de maconha, que não faz sexo por sexo e que não consegue sair do conforto do seu mundinho particular, que sonha demais e às vezes esquece de viver a realidade como ela é, nua e crua. Um cara que tem seus conceitos de caráter, honestidade e índole e que às vezes acha que Lúcia ultrapassa esses conceitos e extrapola seus próprios conceitos de liberdade, agindo de maneira duvidosa e condenável. Mas, ainda assim, são só achismos, Lúcia não vai me corromper. E se os meus conceitos forem realmente melhores que os dela, um dia, quem sabe, ela não possa enxergar isso através de mim, sem cobranças, nem imposições, mas naturalmente, como os verdadeiros amores devem ser, naturais e espontâneos.

Já passaram pela minha vida mulheres maravilhosas, admiráveis e incríveis. Mulheres que me amaram, me ensinaram e me inspiraram. Lúcia é uma delas.

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