domingo, 11 de agosto de 2013

PRIMAVERA, VERÃO, OUTONO, INVERNO E... PRIMAVERA OUTRA VEZ





"Hoje é o dia, eu quase posso tocar o silêncio..."


Sim, foi hoje, o dia de mais uma primavera, o dia dos meus 32 anos, um dia que já está chegando ao fim, como todos nós um dia chegaremos. Tô escrevendo, mas não sei muito bem o que dizer sobre isso, 32 anos! Talvez não haja nada a dizer, nem pensar, apenas viver, afinal, como já dizia Clarice, viver ultrapassa qualquer entendimento. Mas, eu não me aguento, a cada ano que passa preciso procurar uma resposta pra esse fenômeno implacável que chamamos tempo, e sabe de uma coisa, nunca a encontro. Mas escrever me conforta, me acalenta, me dá a certeza que os anos não estão passando em branco. A palavra escrita me dá a certeza de existir nesse meu mundo confuso e utópico. E como eu já sou praticamente de época, me encontro nas linhas de Inês Pedrosa: "Eu sou do tempo da palavra. Aprendi a fazer com que as palavras deslizassem sobre o meu corpo lentamente, como pétalas caindo no outono". 

Então, vamos à elas.

Não vivi nem um terço ainda de tudo aquilo que deseja o meu pulsante coração, por isso digo sem hipocrisia, 32 anos pesa. Não queria que esse texto soasse melancólico, mas talvez seja inevitável.

Aos 32 anos eu já poderia estar casado, com filhos, morando numa casa bonita e ajardinada, numa família de comercial de margarina. Poderia estar concluindo uma terceira faculdade, se me fosse interessante. Poderia ter feito grandes viagens. Poderia estar trabalhando com o que amo e ganhando muitíssimo bem por isso. Poderia ter aprendido várias línguas. Poderia ter vivido grandes paixões. Mas nada disso aconteceu ainda, algumas coisas por que realmente não é o meu desejo e outras porque as circunstâncias da vida foram um pouco cruéis comigo. Faltou um certo planejamento, direcionamento e apoio pra que as coisas ocorressem no tempo certo.

Aí você pode me dizer que cada um tem seu tempo, mas não me convence. Acho que o tempo de agarrar os sonhos com unhas e dentes e batalhar por eles é quando se é jovem. Essa idade em que me encontro hoje seria o tempo de colher os frutos de todo o esforço da juventude. É esse pensamento que vem a minha cabeça a cada idade nova. Sei que parece arcaico, pessimista, derrotista até, mas o que faço hoje, queria ardentemente ter feito há dez anos atrás. Batalhar, lutar, correr atrás, acreditar que não é apenas uma ilusão, como tentaram me fazer acreditar por tantas vezes. 

Se quando eu tinha 15 anos tivessem me feito acreditar na possibilidade real dos meus sonhos, tenho certeza que hoje tudo seria muito diferente. Mas o importante é que nunca deixei de acreditar e confiar em mim única e exclusivamente, apesar de todo o receio, toda a insegurança. E como não tá morto quem peleia, estou aqui firme e forte aos 32 anos no ringue da vida, brigando pra não ir à nocaute, lutando pelo meu sonho, pra me sentir gente por inteiro.

E foi nesse clima misto de melancolia e alegria, que adentrei aos meus 32 anos. Na noite do dia 10, recebi uns poucos amigos pra uma comemoração intimista. Ouvimos um pouco de música, comemos uns acepipes, bebemos vinho e espumante acompanhada de um bolo de doce de leite. Madrugada à dentro partimos pra uma baladinha. Em ótima companhia dancei quase a noite toda entre um intervalo e outro pra um drinque revigorante. À certa altura, ao som de Hero de Mariah Carey, me afastei do grupo e fiquei só, sentado em um canto da casa, quase ao fim da noite, com minhas reflexões pós-aniversário. Reflexões que se seguiram no dia de hoje, o dia legítimo. Foi como uma depressão pós-coito, depois do gozo, da festa e da celebração por mais um ano vivo e com saúde, os pensamentos sombrios, questionamentos, crise existencial. E passei o dia dos meus 32 anos, assim regado a um consolador carmenère e embalado à triste doçura de Chopin. Com uma sensação inexplicável de que as próximas primaveras serão floridas, cheias de cores, sem nenhum resquício de melancolia. Tudo apenas sendo agora, um momento de despedida do cinzento outono.

E que venham os 33!

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

HISTÓRIAS DE "MOLA MALUCA"






Sabe aquelas nostalgias infantis? 

Hoje remexendo no baú de memórias da minha tenra idade, lembrei da "mola maluca", um brinquedo sensacional e muito simples, que fazia a alegria da molecada nos meus verdes anos.

Quem é cria dos anos 80/90, com certeza se lembra. O brinquedo, como já disse, era bem simples, mas tinha efeitos incríveis, que divertia à valer. Era basicamente uma mola mesmo, o que a diferenciava uma das outras eram suas cores, tinha de todas, rosa, amarela, preta, verde, azul, laranja, lilás, multicolorida, mas as mais cobiçadas eram a dourada e a prata, que eram feitas de um material um pouco mais resistente que as de plástico coloridas.

Eu tinha verdadeira obsessão por elas, todos os meus colegas na escola, vizinhos, amiguinhos tinham a sua, mas eu não. Não lembro por que cargas d'água meus pais não queriam comprar uma pra mim e obtê-la acabou se tornando uma grande peregrinação. Ter uma "mola maluca" tornou-se um verdadeiro drama pra mim, cheguei a cometer verdadeiras sandices por ela.

Eu colecionava álbuns de figurinhas (prática que adorava), daqueles que davam brindes, e num desses álbuns, o brinde era uma "mola", se você achasse a figurinha premiada. Eu nunca achava, e aquilo que dava uma angústia absurda. Todos brincando, se divertindo com sua "mola", menos eu.

Por causa desse bendito brinquedo, me tornei um menor infrator aos 11 anos de idade. É engraçado falar sobre isso hoje e relembrar as loucuras infantis que cometi pra ter minha "mola maluca", mas na época, fiquei com minha consciência que sempre foi bem treinada, bastante pesada. Meus "crimes"? Furto simples e assalto. É minha gente, o desespero de uma criança ressentida por não ter o brinquedo da moda, pode levá-la à um nível de baixeza inacreditável.

O furto simples aconteceu dentro de casa mesmo, quando peguei da bolsa de mamãe um valor equivalente à $50 e fui ensandecido até o boteco que tinha perto de casa, comprar todo aquele valor em figurinhas pro meu álbum, na intenção de encontrar a premiada e trocar por uma "mola". Lembro que deu pra muitos pacotes, passei à tarde abrindo e encontrando somente figurinhas repetidas, nenhuma premiada. Me senti a pior das criaturas, tomado por uma frustração inominável a culpa começou a me consumir. Roubar a própria mãe foi horrível demais. No fim, quando ela sentiu falta do dinheiro, achou que tivesse perdido e nem se lamentou tanto, o que me deixou um pouco mais aliviado. Isso nunca mais voltou à acontecer, que fique bem claro! E anos depois, confessei meu crime à mamãe e rimos muito dessa história. Ela nunca desconfiou.

Mas ainda estava sem meu objeto de desejo e não ia sossegar enquanto ele não me pertencesse. 

A grande chance de finalmente ganhar a "mola maluca" surgiu durante os festejos de fim de ano promovidos pela prefeitura da cidade. Foram distribuídas durante a semana que ocorreria a festa, senhas com o nome do brinquedo que cada criança ganharia do Papai Noel. Minha mãe conseguiu pra mim uma senha com a palavra "mola", escrita à mão. Feliz da vida, fui pra tal festa com a absoluta certeza de que dessa vez não voltaria pra casa sem o brinquedo tão almejado.

Mas como todo castigo pra pobre é pouco, me ferrei! Na hora da distribuição dos brinquedos, a desagradável e decepcionante surpresa, a palavra escrita à mão naquilo que seria a senha pra pegar a "mola maluca" era "bola" e não "mola". Desnecessário dizer que eu quis morrer, não é? 

Imediatamente fui tomado por um desespero, uma revolta e uma tristeza imensuráveis. Conseguir a "mola maluca" naquele momento, pra mim havia se tornado questão de honra. Pra todos os lados que olhava, crianças  felizes com suas "molas maluca" recém ganhadas daquele maldito Papai Noel, riam e brincavam. Eu queria, eu merecia, eu tinha o direito de ter uma. Fiquei cego pela minha obsessão, mirei um alvo, criei coragem, fui em direção a ele, arranquei a "mola maluca" de sua mão e corri, corri, corri desesperadamente, o mais rápido que já consegui correr na vida, até desaparecer das vistas de todos que estavam naquele local, enquanto a dona da "mola" gritava à pleno pulmões "pega ladrão"!

E assim, depois de muito sofrimento e alguns delitos, a saga pela "mola maluca" chegou ao fim. Brinquei horrores com ela, por uma semana no máximo, até ficar toda enrolada e eu não conseguir mais arrumá-la. Ela tinha esse pequeno problema, se enrolasse de determinado jeito, estragava de vez. Lembro que num acesso de fúria joguei-a no telhado. 

E ficou a recordação de uma história engraçada de criança, que hoje é motivo de risadas.Uma história maluca. A história de uma mola que me levou até o fundo do poço pra consegui-la, mas me impulsionou de volta pra se tornar um causo mais de vinte anos depois.

Ps.: Às vezes fico pensando na garotinha que foi vítima do meu assalto. Será que ela ficou traumatizada?

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

LIVRO: UMA LEVE SIMETRIA, DE RAFAEL BÁN JACOBSEN




Em 2009, quando eu ainda morava em Porto Alegre, foi lançado um livro de um jovem escritor local, Uma Leve Simetria. O autor era Rafael Bán Jacobsen, meu conterrâneo, nascido em 1981, como eu, físico, professor, pianista e escritor. Um verdadeiro prodígio.

Ao ler a primeira crítica, quando de seu lançamento, tive um interesse imediato na leitura. Na contra-capa, um comentário do saudoso Moacyr Scliar e a história, qualquer coisa de muito interessante. Era sobre o amor de dois adolescentes judeus, Daniel e Pedro, em paralelo a outro amor dos tempos bíblicos, o de Davi e Jonatã. Logo de cara senti que não era simplesmente mais um romance da chamada "literatura gay" (isso existe?). Tinha algo de muito mais profundo ali e eu precisava mergulhar o mais rápido possível.

Estranhamente, logo após o lançamento da obra, não ouvi falar mais  nada sobre ela. O Rio Grande do Sul é um celeiro de grandes escritores, e os gaúchos mais do ninguém, divulgam maciçamente seus artistas locais. Não foi o caso de Uma Leve Simetria, que pareceu ter passado batido pelas livrarias e pelos leitores. O que me fez até pensar que o livro não merecesse mesmo grandes atenções, apenas mais um lançado, dentre tantos por aí, que não dizem nada.

Acontece que o livro não saiu da minha cabeça. A capa era tão linda e ainda falava de uma história bíblica tão intrigante e controversa, de um amor que não ousa dizer seu nome nas páginas do livro sagrado. O tempo passou. Mudei-me pra São Paulo, voltei pro RS e retornei à São Paulo. Em janeiro último, exatos quatro anos depois de ter sido lançado, comprei Uma Leve Simetria, que por motivos de ter mil coisas da faculdade pra ler e mais um livro de 400 páginas que comprei junto com ele, porque era o livro do momento, consegui concluir sua leitura à poucas semanas.

E quero coroar o término dessa belíssima obra deixando registrado aqui, pra que todos tenham acesso à essa preciosidade da nossa literatura.

O romance de Rafael Bán Jacobsen, trata com toda a delicadeza do mundo um assunto espinhoso e desconfortante, o amor entre dois rapazes dentro de uma comunidade judaica. O solitário Daniel, órfão de pai e mãe, de apenas 15 anos é o narrador de uma história sensível, cujo centro dramático é seu amor por Pedro. Um amor que nasce à sombra da sinagoga e alcança momentos sublimes, sem jamais resvalar nesse terreno perigoso, onde a caricatura e o maniqueísmo são ameaças constantes.

Seguro de seu ofício e demonstrando um domínio absoluto da linguagem - imagens poéticas, cuidado com as frases e acurado desvelo com a palavra - Rafael narra os desencontros, as dificuldades, mas, sobretudo, a paixão entre os dois jovens.

Um história linda e emocionante! 

Eu realmente não perdi por esperar!