sábado, 25 de outubro de 2014

UM ENCONTRO ESPECIAL


Olga Feld embrulhava a última xícara de porcelana, guardando-a com cuidado na caixa de louças, que deixou para ser levada por último no carreto de mudanças, com receio de que as quebrassem. Já tinha perdido tudo que lhe era de mais precioso na vida, seus objetos de estimação e as lembranças eram tudo o que restava. 

Num período de 15 meses, havia perdido o único filho e o marido. Com a morte do companheiro de mais de 40 anos, a casa tinha ficado grande demais para Olga e sua imensurável solidão. Três meses após a morte de seu amado George, Olga mudava-se de seu antigo casarão afastado da movimentação da cidade, para um modesto e confortável apartamento no centro. Talvez a agitação nos arredores da nova residência espantaria a tristeza e a saudade pela ausência do cônjuge que já não estaria mais ao seu lado.

Só que a dor que Olga carregava no peito juntamente à seu semblante amargurado, era muito maior e mais profunda do que o fato de encontrar-se agora viúva e solitária. A perda do marido servia apenas para agravar o pesar pela perda do filho e aumentar a culpa e o remorso que sentia por não ter se reconciliado com ele antes de sua prematura e definitiva partida.

Pouco antes do filho vir a falecer, ela já pensava em fazer as pazes com ele. Procurá-lo e aparar as arestas de uma relação que sempre fora possessiva e dominadora, como toda a relação entre pais e filhos judeus ortodoxos. Mas o marido radical e inflexível, jamais aceitou uma reaproximação com o filho ingrato, que abriu mão de seguir os preceitos da religião. E afim de não gerar mais atritos, Olga voltava atrás na decisão de procurar pelo filho, que ela nunca mais soube onde estava desde que saiu de casa.      

Agora, sem o marido ao lado, ela estaria livre pra procurar pelo filho, envolvê-lo em seus braços com força e dizer que o amava e o aceitava incondicionalmente. Mas já não era mais possível, e por isso amaldiçoava a infeliz e terrível ironia de filhos morrerem antes de seus pais. Por incontáveis vezes sentiu-se uma mulher má, tão radical e inflexível quanto o marido, desamorosa, insensível, e era inevitável pensar que agora estava sendo punida por isso, sem George e sem seu filho adorado. A solidão era seu castigo.

Os dias se passavam regados a música judaica, leituras da torá, chás e orações. De vez em quando, quando sentia que estava prestes a desfalecer de tristeza, Olga fazia uma rápida caminhada aos arredores de seu prédio em dias ensolarados, nesses raros momentos parava e olhava pro céu durante longos minutos, amenizando a saudade ao imaginar que pai e filho estariam agora juntos e reconciliados, caminhando por nuvens brancas e fofas, olhando por ela e protegendo-a lá de cima.

A vizinhança do prédio era simpática, algumas senhoras até tinham tentado inseri-la em suas atividades semanais como a feitura de artesanato nas terças, o jogo de cartas às quintas e as manhãs na piscina às sextas, mas Olga havia recusado todos os convites, ainda não se sentia disposta ao convívio social, mal conseguia ir até a sinagoga, sem George não tinha a mesma graça. Evitava trocar muitas palavras com quem quer que fosse, apenas o estritamente necessário. Era fechada e passava a impressão de sisuda e antipática aos outros moradores, do porteiro à síndica.

Mas um dia, voltando das compras, na entrada do prédio, Olga deparou-se com Adriano. Jovem alto, atlético, moreno de cabelos curtos e negros, passou por ela apressadamente com os braços carregados de livros, cadernos e papéis, ao correr para tentar pegar o elevador, deixou cair um calhamaço. Puxando seu carrinho de compras, Olga abaixou-se para recolher o que pareciam ser apostilas e gritou pelo bonito rapaz. Adriano, que mal havia percebido Olga, voltou-se. Sorriu. Pediu desculpas pela distração e agradeceu, oferecendo-se para ajudá-la com as compras. Ela admirou-se com a simpatia e educação do rapaz que parecia fora de órbita quando passou por ela, tamanha era sua pressa.

No elevador, Adriano perguntou se Olga era moradora nova - no que ela assentiu - e explicou que estava correndo porque tinha o aniversário de uma amiga pra comparecer e ainda precisava voltar a tempo de corrigir as dezenas de provas que carregava nos braços. Ele era professor universitário e antigo morador do prédio, o qual comprou um apartamento assim que se casou há mais de 5 anos. O elevador parou e eles descobriram que moravam no mesmo andar, um de frente pro outro. Adriano sorriu, simpatizando com a coincidência e foi em direção a seu apartamento, prometendo a Olga que quando estivesse mais tranquilo a convidaria para um café de boas-vindas. Olga agradeceu, demonstrando pela primeira vez interesse e boa vontade com um vizinho.

O que fez a velha viúva judia, solitária e amargurada corresponder a simpatia de Adriano, era o fato de ele suscitar em sua memória já desgastada lembranças do filho morto. Os dois regulavam em idade, eram altos, fortes, bonitos e o mesmo jeito meigo, embora seu filho fosse mais claro, quase loiro. Olga sentiu-se renovada ao passar aqueles poucos instantes ao lado de Adriano no elevador, era como se uma nova razão pra continuar vivendo acabasse de se abrir pra ela. De repente sentia-se mais disposta. Arrumou as compras na cozinha, distribuindo-as nos armários e na geladeira. E preparou um bolo que era sua especialidade, um bolo de mel, o preferido do filho.

Adriano encontrava-se na cozinha, recostado a pia, de pijama, sorvendo uma xícara de café e observando os primeiros raios da manhã entrarem pela janela, quando ouviu a campainha. Tinha acabado de acordar e não imaginava quem podia ser aquela hora. Ficou enternecido com o gesto carinhoso de Olga ao lhe entregar um pote com um generoso pedaço de seu bolo de mel. Convidou-a à entrar, pedindo desculpas pelas vestes e lhe serviu uma xícara de café. Também cortou duas fatias do bolo, para si e para ela. Sentaram-se no aconchegante sofá cinza e conversaram.

Durante a conversa Olga não sentiu-se à vontade para falar do filho, apenas contou que era uma viúva recente e estava tentando refazer sua vida no novo lar. Adriano também não lhe revelou toda a verdade sobre si. Disse que também era viúvo, que havia perdido a esposa á pouco mais de um ano, e estava tentando superar a perda, e embora a cada dia a ferida aberta da morte do ser amado cicatrizasse um pouco mais, tinha momentos de solidão e falta que eram insuportáveis. Olga entendia perfeitamente, mas acreditava que por ele ser jovem, sua situação era bem mais dolorosa que a dela. Devia ser excruciantemente difícil perder uma jovem e apaixonada mulher, no auge, cheia de vida e de planos. Adriano só não conseguiu contar que sua esposa na verdade, não era esposa, mas marido.

Sempre foi seguro de sua sexualidade e nunca teve problema em assumir-se pra ninguém, mas aquele ainda não parecia o momento para todas as revelações. Olga já era uma senhora de idade e apesar de amável poderia ficar chocada, e ainda parecia tão frágil com toda a situação pela qual passava. Não havia necessidade de lhe enfiar goela abaixo, logo de cara suas preferências sexuais. Parecia uma senhora bastante tradicional, e não queria causar mal-estares em uma relação que acabara de começar. Tinha gostado muito de Olga e queria conversar mais vezes com ela, fazê-la sentir-se menos solitária.

Olga e Adriano tornaram-se bons vizinhos. E depois que Olga contou à Adriano sobre o filho Nathan, que foi expulso de casa porque decidiu assumir e viver sua homossexualidade, eles tornaram-se grandes amigos, confidentes. Mas quando Adriano finalmente confessou que era gay, alguns meses depois, e que o nome de seu falecido marido, com quem viveu e amou profundamente por 6 anos, era Nathan Feld, os dois se tornaram mãe e filho.

Olga não conseguiu conter a emoção. Chorou, sorriu, agradeceu aos céus por lhe dar uma segunda chance de ser mãe. Para ela, Adriano era um presente de Deus, a confirmação de que Ele não queria mais castigá-la, de que a havia perdoada por ter sido mãe intransigente e incompreensiva. Ela só não entendia porque Adriano havia demorado tanto pra lhe contar a verdade.

Ele explicou que soube quem ela era desde o momento que lhe presenteou com um pedaço de bolo de mel, o bolo preferido de Nathan. Aquele que ele sempre preparava quando a saudade da mãe apertava mais forte, e que ela o ensinou a fazer quando tinha 10 anos, mas o dele nunca ficava igual ao dela. Ele sentia falta do bolo dela, preparado por ela. Mas quando ele comeu o bolo naquela manhã, não notou diferença alguma, era o mesmo bolo, o mesmo gosto de saudade, nostalgia, amor e melancolia. A mesma doçura intensa, típica do bolo judaico. E ele se segurou com todas as suas forças pra não desabar em lágrimas naquele momento. E quando teve certeza de seu amor, descobriu a hora certa de contar a verdade.

E os dois se abraçaram e choraram e riram e viveram felizes por se encontrarem e não estarem mais sozinhos.     


sábado, 13 de setembro de 2014

UMA HISTÓRIA DE OBSESSÃO - PARTE 2 (FINAL)


Antes de começar a leitura, leia a parte 1

Gael desejou ir ao enterro de Luan, queria dar seu último adeus, mesmo depois de tanto tempo sem ter contato. Foi difícil digerir e se acostumar com o ocorrido. Aceitar que alguém jovem e cheio de vida como Luan tinha partido pra sempre, não era simples. Não conseguiu comparecer ao enterro. Mas de repente, de forma triste e involuntária, Luan tinha voltado pra sua vida com força total. A ideia de sua inexistência, mexia com Gael de uma forma perturbadora. Quando deu por si, havia se tornado um grande stalkeador das páginas de Luan em suas redes sociais. O triângulo vivido entre ele, Luan e Santiago era algo que marcara sua vida de forma indelével. Luan não era um simples conhecido, ele fazia parte de sua história. E se Santiago, uma das partes do triângulo, tinha desaparecido de sua vida como fumaça no ar, ainda restavam os registros virtuais de Luan pra que ele pudesse recordar com uma saudade inconfessa, os resquícios de uma paixão avassaladora, uma fantasia, que só ele sabia o bem e o mal que lhe fazia. Um sentimento que mesmo sem querer ele cultivava em silêncio e segredo, pois tinha vergonha que alguém descobrisse que ainda não havia superado por completo aquela desilusão, mesmo após tanto tempo. Acalentava o drama do amor não correspondido e parecia sentir prazer em ser a eterna vítima rejeitada de um desejo não concretizado. Em seus delírios operísticos, ainda desejava uma retratação, um pedido de desculpas de ambas as partes, mas sabia que Santiago mal lembrava de sua existência pra sentir algum tipo de remorso por não amá-lo, e quanto a Luan, qualquer desejo em relação a ele agora, era inútil. 

Quando completou um mês da morte de Luan, Gael escreveu um texto em homenagem ao antigo amigo em sua página no facebook, e foi enquanto conferia outras mensagens, que uma certa declaração de amor póstuma lhe chamou a atenção. O texto apaixonado e emocionado de Taciano, dizia o quanto Luan tinha sido importante em sua vida, e como seria difícil continuar sem ele. Que Luan o tinha transformado pra melhor e foi o presente mais especial que ele já havia recebido. Terminou agradecendo pelo um ano de vida juntos e por tudo de maravilhoso que dividiram, e que ainda o amaria por muito tempo.

Surpreso e um pouco chocado, Gael sentia como se todos continuassem vivendo suas vidas cheia de acontecimentos maravilhosos e emocionantes com o passar do tempo, enquanto só ele se prendia aos sentimentos do passado, permanecendo solitário com seus devaneios românticos. Em sua lógica, Santiago havia desaparecido e provavelmente estava vivendo uma vida cheia de promiscuidades, e Luan tinha encontrado e estava vivendo um grande amor, um amor que ele sempre sonhou viver, um amor que ele merecia, e não Luan, que havia desrespeitado e passado por cima de seus sentimentos, quando se envolveu com Santiago. 

A inveja e o ciúmes tomou conta de Gael. Um gosto amargo, uma sensação de ter sido tripudiado, achincalhado e desconsiderado de todas as formas por duas pessoas pelas quais sempre tivera os melhores sentimentos. A raiva e a revolta, agora que descobrira o namorado de Luan, agora que sabia que ele continuou levando sua vida sem sofrer por Santiago, como ele sofreu, e que estava feliz, vinha mais forte do que na época dos acontecimentos.

Ficou obcecado pelo tal viúvo de Luan. Gael queria saber tudo sobre ele. Quem era, onde morava, qual sua profissão, como se conheceram, e foi à fundo em suas pesquisas. Passava horas nas redes sociais procurando informações sobre Taciano, visitava amigos em comum, até descobrir que Laura também era sua amiga. Sutilmente sondou sobre ele com Laura e obteve mais informações. Descobriu que o rapaz era artista plástico, morava no interior de São Paulo, num pequeno e bucólico lugar chamado Atibaia.

Gael tinha sonhos recorrentes com Luan e Santiago, em todos eles, ele era humilhado de alguma forma. Certa noite acordou angustiado, suando, com falta de ar, a cólera tomara conta da sua mente. Precisava fazer algo a respeito, algo que o fizesse se sentir melhor. Abriu o notebook e permaneceu parado em frente a uma imagem de Taciano, como se tivesse em transe. Ele nem era tão bonito, mas parecia muito interessante. Ficou imaginando como era a relação entre ele e Luan. Se eles eram românticos, se transavam muito, se tinha uma música só deles, se se chamavam por apelido, se se amavam de verdade. Às vezes ele achava Luan tão frio e prático, que parecia incapaz de se entregar a uma emoção genuína, sem reservas. Enquanto pensava em tudo aquilo teve um click. Já sabia quase tudo o que podia saber através de terceiros, era chegada a hora de conhecer Taciano por si mesmo. Na página do ex-namorado de Luan clicou em "adicionar aos amigos" e em seguida deixou um recado in box, explicando o quanto era amigo de Luan e como estava feliz em encontrar alguém que havia sido tão próximo dele, após o trágico ocorrido.

No dia seguinte Gael verificou que Taciano tinha aceitado seu pedido de amizade, então passou para o plano b. Gael e Taciano travaram uma empolgante amizade virtual, se falavam quase todos os dias. Taciano andava muito solitário e carente após a morte de Luan e todos que se aproximassem dele alegando que eram amigos de Luan, ele aceitava de braços abertos como sendo seu também. 

Gael inventou uma bela história de amizade entre ele e Luan, amizade que nunca existiu, mas ele sabia exatamente o que comoveria Taciano, e o faria entrar em sua vida, por isso teceu sua teia direitinho. Aos poucos Gael tornou-se confidente de Taciano, que estava com uma forte tendência à depressão. Dois meses após iniciarem a amizade virtual, Taciano convidou Gael para visitar sua cidade e conhecê-lo. Para Taciano seria um fim de semana encantador. Para Gael seria o reconhecimento indispensável de um terreno, onde ele daria seu tiro de misericórdia.

Mesmo cheio das mais amargas intenções, os dois dias passados ao lado de Taciano foram perfeitos para Gael. Ele pôde constatar o quão interessante era Taciano, mais do que isso, era uma pessoa especial. Ele lhe mostrou suas esculturas e desenhos, passeou com Gael pelos pontos turísticos da cidade cheia de belezas naturais, preparou comidinhas saborosas e falou muito, muito sobre Luan e o amor dos dois. Mostrou fotos, bilhetinhos, presentes trocados, e enquanto contava tudo sobre eles Gael sentiu a velha pontada de inveja em seu peito, mas dessa vez era uma inveja diferente, não aquela carregada de rancor, mas uma inveja de auto-piedade. Ele queria ter aquilo, viver um amor assim, mas nunca havia sido agraciado com tal privilégio. Achava-se uma pessoa de coração melhor e mais puro do que Luan, no entanto nunca tinha sido recompensado por isso com um amor. O que ele fazia de errado? Queria respostas, mas não as tinha. Já que não havia recompensa por ser bom, prosseguiria com seu plano sem remorsos.

Naquele fim de semana Gael ficou sabendo também como funcionava a dinâmica da relação. Taciano passava a semana com Luan em São Paulo e nas sextas à noite partiam pra tranquilidade do interior, onde faziam amor com calma e Taciano ficava mais inspirado para criar. De volta à capital, Gael ficou dividido entre seguir com seu plano ou deixar Taciano em paz. Mas ele sentia que Taciano havia gostado dele de verdade e pensou que talvez valesse à pena enterrar o passado de vez e começar algo novo, verdadeiro e sólido, bem distante das fantasias platônicas as quais estava acostumado. Ficou uns 3 dias sem falar com Taciano, não respondeu suas mensagens de texto, nem seus recados no face, até que quebrou o silêncio virtual e foi direto ao ponto. Confessou à Taciano que conhecê-lo tinha mexido muito com ele, e como ele sabia que o rapaz não estaria preparado para um novo envolvimento logo após a perda precoce de Luan, preferia manter certo afastamento, pois não estava disposto a sofrer por um novo sentimento não correspondido. Taciano protestou, confirmou que tinha sentido algo muito especial por ele também e que os dois deviam se ver de novo o mais breve possível para resolverem suas questões emocionais.

Quando se encontraram pela segunda vez, Gael e Taciano explodiram em desejo. O sexo foi sublime, forte e poderoso. Gael nunca tinha sentido nada igual, e Taciano deixou-se levar por suas emoções mais profundas, a falta de sexo desde a morte de Luan, aliada a saudade e o desejo por Gael, tão ingênuo, doce e diferente de Luan, que era forte, decidido, genioso, nunca parecendo precisar de proteção. Gael parecia frágil, parecia precisar de um homem forte que cuidasse dele. Os sentimentos se confundiam. Gael ser amigo de Luan podia complicar um pouco as coisas, mas o fato é que ele precisava superar a perda e Gael surgiu como um anjo, ele queria viver aquele sentimento. Pela manhã, Gael foi acordado com café na cama. Taciano era mesmo fascinante, mas Gael havia sonhado com Santiago no lugar dele por tantas vezes e parecia que nunca, nada seria o suficiente pra afastar aquelas lembranças e o sentimento de rejeição dele.

Taciano foi pro banho enquanto Gael tomava seu café, entre um gole e outro olhou pro teto com uma sensação de triunfo. Saiu da cama e abriu a porta da rua, olhou pro céu azul e límpido fixamente e disse com toda a calma como se conversasse cara a cara com ele: Luan meu querido, você viu? Você viu tudo o que aconteceu aqui essa noite? Como você se sentiu? Eu me senti maravilhosamente bem. Cumpri minha promessa, me vinguei de você. Roubei o teu homem, me espojei na mesma cama que ele fodeu com você. E foi bom viu, nossa, que homem gostoso! Eu podia fazer ele me amar, me venerar e ficar louco por mim, assim como ele ficou por você, não, mais, muito mais louco e apaixonado por mim do que foi por você. Mas eu não quero, sabe. Não quero teus restos, tuas migalhas. Eu só queria mesmo que você sentisse o mesmo que eu senti quando você me tomou o Santiago. E agora eu espero que você esteja aí em cima rolando de dor e ódio e tristeza, ou será que você tá no inferno? Será que eu tô olhando pra direção errado? Será que é aqui embaixo dos meus pés que você está, seu maldito?

A voz de Taciano chamando por Gael o fez sair do transe que se encontrava na conversa imaginária com Luan. Taciano questionou o que ele fazia na rua e Gael confessou que foi apreciar o céu de brigadeiro da cidade. Era sábado e Taciano estava empolgado com os novos rumos de seu relacionamento com Gael. Passaram um fim de semana romântico, Taciano estava novamente apaixonado, e Gael já não conseguia mais separar delírio de realidade. Sabia que sonhara com momentos como aquele durante muito tempo, mas era Santiago que deveria estar no lugar de Taciano, isso não saía de sua cabeça. Por vezes imaginou o rosto de Santiago, o corpo de Santiago, a boca de Santiago enquanto estava com Taciano. Mas fingiu muito bem uma sanidade que já não tinha mais nas últimas horas que passou ao lado de Taciano.

Na segunda-feira estava de volta à sua casa, deixou Taciano como namorado, mas assim que chegou excluiu-o e o bloqueou de todas as redes sociais. Sem conversas, sem explicações. Havia finalizado seu plano com louvor.

Taciano tentou buscar explicações, procurou por Gael, descobriu a verdade de suas intenções, sofreu por um tempo, mas se recuperou. 

Quanto a Gael, foi infeliz pra sempre.               

domingo, 3 de agosto de 2014

UMA HISTÓRIA DE OBSESSÃO - PARTE 1


Quando soube da morte de Luan pelo facebook, Gael ficou estarrecido. Já não se falavam há muito tempo, mas de vez em quando, Gael sentia saudades de Luan. Nunca tinham sido grandes amigos, mas no tempo em que trabalharam juntos, eram ótimos colegas de trabalho. Mesmo sendo subordinado de Luan, os dois conversavam muito e se davam super bem. Gael achava Luan divertido e admirava seu humor ácido, e seu jeito prático e direto, às vezes até sendo cruel em suas colocações, mas sempre humano e compreensivo. Gael, de natureza mais dócil e frágil, por vezes invejava a atitude e a segurança de Luan. Até mesmo, quando soube do envolvimento entre ele e Santiago, Gael sofreu, mas não conseguiu sentir raiva de Luan.

Santiago era o homem dos sonhos de Gael, mas acabou virando seu maior pesadelo. Ambos começaram ao mesmo tempo na empresa, e embora Santiago tenha demorado pra perceber a presença tímida de Gael, durante o treinamento, os olhos de Gael captaram a de Santiago desde o primeiro segundo em que estiveram juntos no mesmo ambiente. E durante os intermináveis dias de treinamento, a mínima menção a presença de Santiago, causava tremores, palpitações, olhos brilhantes e suspiros profundos em Gael. Santiago não era o homem mais bonito que Gael já tinha conhecido na vida, mas diante dele não conseguia se lembrar de nenhum outro.

No derradeiro dia de treinamento, durante o intervalo pro lanche, Santiago finalmente se aproximou de Gael, que no ápice de sua timidez mal conseguiu disfarçar o rosto pálido e o sorriso amarelo, sem graça, quase desesperado. Afinal, o homem dos seus sonhos, o "cara perfeito", finalmente notava sua presença. O que dizer numa hora dessas? Como se comportar? Como agir naturalmente? Gael definitivamente não sabia. E se recuperando, logo após uma ligeira privação de sentidos, conseguiu respirar fundo e sorrir, oferecendo educadamente um pedaço de seu sanduíche, que gentilmente, Santiago recusou.

Desde então, fluiu uma bonita amizade entre Gael e Santiago, amizade essa que crescia a cada dia. Eles estavam sempre próximos no trabalho, um ajudava o outro, conversavam amenidades, trocavam confidências, contavam piadas. Eram parceiros, dois grandes irmãos, mas a paixão que Gael acreditava que passaria com a amizade, só aumentava, e o atormentava. Quanto mais ele conhecia Santiago, quanto mais sabia de suas qualidades e fragilidades, sua batalha de vida, seus sonhos, mais o admirava, mais o amava e desejava como homem, como amante. Mas Santiago não dava sinais de que tal sentimento pudesse ser correspondido, de que pudesse passar de pura amizade fraternal.

Sufocado pela falta de coragem de se declarar, Gael se abriu com Laura, uma amiga de confiança dele e Santiago, que logo lhe aconselhou a confidenciar seus sentimentos. Gael passou a fantasiar como seria dizer a Santiago que o queria mais que um amigo e o amava profundamente. Devaneava docemente que ele ficaria surpreendido e feliz e depois confessaria que também era apaixonado por ele, e os dois iniciariam um namoro e viveriam um lindo romance cheio de ternura e paixão. Mas no fundo, Gael não acreditava nisso, não se sentia verdadeiramente capaz de provocar qualquer sentimento além de amizade em Santiago. Se sentia pouco atraente e sem graça perto do homem lindo, charmoso e sedutor que ele era. E por fim, se conformava em ocultar seus reais sentimentos e manter a amizade leal e sincera de Santiago, do que arriscar uma declaração e afastar de vez seu grande amor.

A situação íntima de Gael, que já era um sofrimento pra ele, piorou muito com a troca de supervisor que ocorreu no setor em que trabalhava, dois meses depois. Luan era o novo supervisor, decidido, empertigado, tinha postura de quem sabia o que queria e corria atrás, doa a quem doesse. Por outro lado, também era a alegria do setor, e conquistava a todos com seu jeito espontâneo e sagaz, inclusive Gael, que ficou tão fascinado pelo jeito de seu novo superior, que começou a trocar confidências com ele, o que o levou a contar mais do que talvez devesse. Em sua ingenuidade, Gael acreditava que Luan poderia realmente ajudá-lo com seus conselhos, sempre tão inteligentes, e falou pra ele sobre seus sentimentos por Santiago. Luan não era mal, mas como uma velha raposa que era, passou a prestar mais a atenção em Santiago, mas não com intenção de fazer alguma ponte entre ele e o iludido Gael.

Luan também tornou-se íntimo de Laura e cada vez mais próximo de Santiago. Uma proximidade que intrigou Gael. Uma desconfiança. Mas ele não podia, não queria acreditar em sua intuição. Preferiu pensar que estava imaginando coisas. Mas, por mais discreto que todos fossem, Luan, Santiago e Laura, havia um clima diferente no ar, uma situação da qual ele não fazia parte, e isso o incomodava e entristecia. Laura e Santiago eram seus melhores amigos, e Luan era o chefe querido, com quem ele conversava sobre tudo. Então, por que sempre que ele se aproximava enquanto os três conversavam em uma rodinha, quase cochichando, eles rapidamente mudavam de postura e assunto? Ou quando conversavam Luan e Laura ou Luan e Santiago?

Um dia, sem mais suportar a sensação de exclusão, praticamente implorou à Laura que lhe contasse o que estava havendo, pois em outras tentativas, com qualquer um dos três, sentia-se sempre ludibriado. E finalmente, vendo a angústia do amigo, Laura contou. Luan e Santiago estavam de caso há algumas semanas.

Gael engoliu seco, sentiu como se uma bomba tivesse explodido em sua cabeça. Laura viu os olhos do amigo rasos d'água, sentiu que o havia ferido fundo, mas já não suportava mais vê-lo angustiado. Uma hora ele haveria de saber, só não tinha contado antes porque queria adiar ao máximo a mágoa que ele sentiria.

Os dias se passaram, e Gael sofreu como nunca. Pensava em Santiago e Luan, e chorava, na cama, no chuveiro, vendo TV, ouvindo música, até comendo as lágrimas vinham intrusas e fartas. A dor o dominava. Sentia-se dilacerado, impotente, incapaz de brigar pelo seu amor. Tinha complexo de patinho feio, pensava que jamais poderia competir com Luan. Tinha vontade de desaparecer, nunca mais olhar na cara de nenhum dos dois. Sentia vergonha de achar que um dia Santiago poderia olhá-lo com outros olhos, como se Santiago fosse superior à ele. Entrou em um processo de auto-depreciação e baixa auto-estima. No trabalho mal conseguia falar com Santiago, porque a relação entre ele e Luan parecia estar ficando cada dia mais séria, e ele tinha uma sensação terrível e amarga de que Santiago sabia que ele o amava, e isso era a morte. Por diversas vezes fantasiava que era a grande chacota entre Luan e Santiago, que os dois quando juntos se riam e debochavam dele, por ser romântico, bobo e sem noção, achando que pudesse ter algo com Santiago. Mas de concreto, ele nunca viu nenhum comentário e nenhum tipo de deboche. Ambos eram muito discretos, e nunca assumiram nada. Todas as informações sobre os dois eram dadas por Laura, depois de muita insistência dele em saber, deixando-a sempre dividida entre Luan e Santiago e ele, que era amiga dos três e sentia-se numa "sinuca de bico".

Quando as coisas começaram a esfriar entre Santiago e Luan, Laura sentiu-se aliviada, pois poderia dar uma boa notícia à Gael e não se envolveria mais no caso. E as coisas esfriaram porque Luan começou a se apaixonar por Santiago e querer algo mais sério. Mas a leveza de um relacionamento sem compromisso era tudo o que interessava à Santiago, sem paixões incendiárias nem cobranças, apenas um sexo bom e uma companhia agradável em momentos pontuais. E como Luan tinha uma certa tendência á Alex Forrest de Atração Fatal, Santiago achou melhor botar um ponto final em seu envolvimento e evitar o que ainda podia ser evitado.

Gael ficou feliz ao saber que o caso não passou de uma aventura para Santiago, sentiu até um pequeno sabor de vingança, pois imaginou que Luan estivesse sofrendo, e a sensação era boa, vê-lo passar pelo que ele estava passando há meses. Mas também sabia que Luan era prático e jamais se auto-flagelaria como ele, o sofrimento de ambos jamais se igualaria, e isso o deixava péssimo. Logo Luan estaria com outro e Santiago também, mas ele continuaria curtindo seu maldito amor não correspondido, já não tinha mais nenhuma esperança, mas também não conseguia arrancar Santiago da cabeça nem do coração. Até que tomou uma drástica decisão, precisava fazer algo por si mesmo.

Gael foi à procura de um novo emprego. Em poucas semanas assinava seu pedido de demissão. Luan tentou persuádi-lo da ideia, pois o achava ótimo profissional, mas Gael foi irredutível. Na hora das despedidas, deixou-se levar pela emoção. Abraçou com paixão à Santiago, que ainda amava, mas estava decidido a deixar de amar, tão logo atravessasse a porta da rua, e carinhosamente se despediu de Luan, de quem realmente não sentia raiva, apesar de certo resquício de ciúmes e inveja. Tudo absolutamente civilizado e honesto.

O tempo passou e o único contato que Gael tinha com Santiago e Luan era pelas redes sociais. Na verdade, Luan era apenas um número em sua lista de amigos, já que nunca disse um "oi" pelo face. E Santiago, de vez em quando dava um "oi", mas sempre sem muita paciência pra papo. Gael o stalkeava vez ou outra, pra matar a saudade, até que um dia Santiago o excluiu. Gael não entendeu, ficou chateado, rolou uma mágoa, mas percebeu enfim, que não podia mais alimentar um sentimento que já não fazia mais nenhum sentido. De vez em quando ele tinha saudade de Luan e sentia vontade de deixar uma mensagem, marcar um encontro, rir do passado e das ótimas tiradas que ele sempre tinha, mas sempre desistia da ideia, achava que seria humilhante ficar correndo atrás de quem nem lhe dava bola. No fundo, dentro daquele triângulo, ele era a única pessoa sincera, Luan e Santiago nunca haviam gostado dele de verdade, era o que pensava. Resolveu enterrar o passado de uma vez por todas.

Dois anos depois de se demitir, ao ver um link de luto compartilhado por Laura no facebook, em choque, Gael tomou conhecimento da morte de Luan. Os sentimentos ficaram embaralhados, angústia, tristeza, carinho, piedade, perda... Eles não eram amigos, mas existia uma ligação forte entre eles, ambos amaram o mesmo homem e foram rivais elegantes, quase amigos. Pelo menos agora, Gael tinha uma certeza, a morte de Luan destruía em definitivo qualquer fantasma que ainda pudesse existir daquele triângulo amoroso do passado. Mas isso não era verdade.


continua...

quinta-feira, 17 de julho de 2014

DOCES



Às 03h:30 da manhã de um sábado pra domingo qualquer, a garota deprimida e acima do peso, com complexo de inferioridade, se afunda numa panela de brigadeiro em frente à televisão, enquanto assiste comédia romântica. A outra garota, gostosa e super produzida, arrasa na pista de dança da balada, enlouquecida, enquanto se entope com suas balinhas coloridas. Em comum, as duas tem a solidão.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O QUE ACHEI DA ESTREIA DE "O REBU"


A nova novela das 11 já começou toda trabalhada no mistério, como já imaginávamos e como anunciavam as chamadas, mas pra conferir um ar misterioso à trama, achei que a produção exagerou nas cores escuras demais, a fim de dar um tom soturno a releitura da história de Bráulio Pedroso, escrita por George Moura e Sergio Goldenberg.

Fora essa ressalva, o capítulo de estreia do remake de 1974, foi mais curto do que o esperado. Anunciado como capítulo especial, começou logo após Em Família, e esperava-se que fosse mais longo. O assassinado é revelado logo de cara - o que na primeira versão demorou mais de 50 capítulos pra acontecer, já que um dos mistérios era o "quem morreu?" - , ele é Bruno (Daniel Oliveira), pivô de muitos mistérios e da paixão de duas mulheres opostas: Duda (Sophie Charlotte) e Gilda (Cássia Kis Magro). Seu corpo é encontrado boiando na piscina, durante a luxuosa festa na casa da empresária Ângela Mahler (Patrícia Pillar), um verdadeiro ninho de cobras, onde tudo não passa de um grande jogo de interesses entre os convivas.

O enredo que se passa todo durante a festa, é interferido por flashbacks que mostram as relações entre os personagens antes da grande comemoração. Relações essas, que em sua maioria envolvem os negócios entre os sócios Ângela e Carlos Braga (Tony Ramos), tudo muito nebuloso, assim como Alain (Jesuíta Barbosa), um penetra que sai da festa, rouba uma moto e aparentemente não tem abolutamente nada a ver com os demais convidados. Oswaldo (Júlio Andrade), é outro personagem misterioso num capítulo que pouquíssimo revelou.

Esse primeiro capítulo teve ainda, Sophie Charlotte soltando a voz na festa, com a canção de Roberto Carlos Sua Estupidez. Voz afinada e bonita, figurino idem, mas ainda não consegui gostar de seu corte Joãozinho, que acho chique e moderno, mas nela, acho que não ficou muito bem.

O casting de O Rebu é bárbaro, e os destaques da estreia foram Cássia Kis e Patrícia Pillar. Outros elementos também chamaram a atenção pelo ar de requinte que deram a trama: a elegante abertura e a caprichada trilha-sonora com músicas de Amy Whinehouse e New Order. O que foi também uma sacada bem bacana, é que durante a festa os convidados fazem selfies e postam nas redes sociais as fotos com comentários sobre o evento, o que deixa tudo bastante real e inovador, mesmo em tempos de Geração Brasil.

Acusada de careta, por não abordar de maneira escancarada a relação homossexual que era insinuada na primeira versão entre os protagonistas, O Rebu será recheada de cenas picantes, que já tiveram uma prévia logo no início, e encerrou seu primeiro capítulo com um atirador misterioso mirando e a disparando em direção à janela do quarto de Ângela Mahler.

Sem nada de muito impactante, além do que todos já esperavam na estreia, O Rebu parece ser uma boa pedida para os que curtem uma história de suspense, e se seguir a mesma qualidade de O Canto da Sereia Amores Roubados, trabalhos anteriores dos responsáveis pela nova novela das 11, será um ótimo entretenimento para o fim de noite.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O QUE A GENTE TINHA



Das poucas coisas que foram realmente nossas. Daqueles momentos que nada nem ninguém pode nos tirar. Tenho sua primeira imagem, todo de negro, na esquina daquela empresa, onde faríamos a mesma entrevista de emprego. Seu olhar sorrateiro e disfarçado. O impacto de ouvir sua voz pela primeira vez.

O sabor das media-lunas argentinas. O filme Minha Vida Sem Mim. A canção de Ney Matogrosso, aquela que você amava, e que eu passei a amar por sua causa. O best-seller de Dan Brown. O Segredo de Brokeback Mountain. 

Nossa primeira conversa a sós, olhos nos olhos, num final de tarde no Parcão. A corrente elétrica que percorria meu corpo com um simples aperto de mãos. As histórias de suas viagens como comissário de bordo. O dia em que me revelou seu maior segredo. 

A promessa de um beijo não consumado. A emoção de reencontrá-lo depois de ter decidido sair da sua vida pra não atrapalhar seu relacionamento, e esse reencontro ter partido de você, que fez questão de me abraçar pelo meu aniversário dois dias depois, porque no dia não teve como ligar, mas não esqueceu a data, e aquele abraço foi o mais mágico de todos que eu já ganhei na vida. E naquele momento, eu transbordei.

E tantos íntimos olhares, toques tímidos, palavras pela metade, desejos sufocados, declarações não feitas. Você sabia do meu amor, e eu sabia que você sabia. E o que tínhamos era isso, um acordo tácito. Um sentimento que não se verbalizava. Um romântico silêncio que dizia, que um dia, poderíamos ser mais do que amigos, mas nunca fomos.

O que a gente tinha era ar, suspiros, devaneios, bolhas de sabão. Essas coisas que não são palpáveis, mas que se guarda pra sempre no coração. 

terça-feira, 17 de junho de 2014

TEATRO: VÊNUS EM VISOM


Em cartaz entre 28 de março e 08 de junho, no teatro Vivo em São Paulo, a peça Vênus em Visom teve uma sessão extra especial dia 11/06 com entrada franca no Itaú Cultural, e eu tive o privilégio de poder conferir a montagem paulista desse excelente espetáculo.

Protagonizado pela dupla Bárbara Paz e André Garolli e dirigido por Hector Babenco, em sua segunda parceria com a ex-mulher nos palcos (a primeira foi a peça Hell de 2011), Vênus em Visom é uma comédia com doses de erotismo.

O espetáculo escrito pelo dramaturgo americano David Ives e traduzido por Danielle Ávila Small, traz Bárbara Paz no papel de uma jovem atriz que almeja interpretar Wanda, a protagonista de "Vênus em Visom" - adaptação do texto de Leopold Ritter Von Sacher-Masoch (1836 - 1895), autor que deu origem ao termo masoquismo.

No dia do teste de elenco, porém, Thomas Novacheck (André Garolli), o diretor que a avalia, diz que ela não tem perfil para viver a personagem. Para convencê-lo do contrário, a atriz inicia um jogo de sedução, marcado por cenas cômicas e doses de erotismo. 

A montagem é uma metalinguagem de teatro, uma peça dentro da peça e é sensacional. O texto é riquíssimo, cheio de nuances que possibilitam aos atores performances excepcionais. Bárbara, que dispensa apresentações, está fabulosa em cena, mostrando uma versatilidade nunca vista antes na TV. Sua veia cômica grita no palco, arrancando gargalhadas febris da platéia, sem nunca perder a extrema sensualidade, também muito presente em cena, atingindo seu ápice no momento em que exibe seus fartos e belos seios.

Já André Garolli, ator menos conhecido da TV - que participou com personagens de certa importância na minissérie Cinquentinha e no seriado Lara com Z (ambos de Aguinaldo Silva) e também esteve em Amor à Vida como o médico Vinícius, papel irrelevante em meio a tantos personagens sem destaque na trama - poderia facilmente ser engolido pela ferocidade de Bárbara em cena, mas também está ótimo.

Travestida com muita sensualidade e doses cavalares de humor, Vênus em Visom te conduz de maneira a pensar que é tudo uma grande diversão, para no final e, somente no final, com a sarcástica última fala dita por sua protagonista nos lançar num abismo de profunda reflexão.

Com sonoplastia e iluminação perfeitas e indicações ao Prêmio Shell e ao Prêmio APTR de melhor atriz, Vênus em Visom é um espetáculo impecável, que com certeza voltará em cartaz em breve e quando isso acontecer não perca a oportunidade de conferi-la.


Pra finalizar, transcrevo as palavras do diretor Hector Babenco:

"Quando penso na VÊNUS vem imediatamente na minha memória todas as vezes que eu fui um outro que eu inventei. Há nessa vivência uma euforia alegre e descompromissada que nasce no momento que sinto que o outro foi enganado pela minha mentira. O que me faz grande e distante do comportamento da plebe. Sem raízes psicológicas nem armadilhas racionais. A mentira que é a semente do impostor é a energia que concebeu esta VÊNUS. Nela estão embutidos uma base de chanchada, uma pitada de Moliere, bastante Freud, um pouco de transexualismo, uma colher grande de sadomasoquismo, enfim. Amor, castigo, humilhação, tudo aquilo que fazem dessa receita uma bela refeição."

quarta-feira, 28 de maio de 2014

FILMES QUE AMO: "DO OUTRO LADO" #02


Em 2008 passei por uma experiência cinematográfica única e inesquecível ao assistir o filme do diretor alemão Fatih Akin, Do Outro Lado. Um filme que fala de política, ideais, preconceito e amor. Amor maternal, amor filial, amor homossexual. Independente do tipo de amor, a história é simplesmente emocionante.

Do Outro Lado  nos mostra como os destinos podem mudar dependendo de pequenos momentos, de pequenos acontecimentos. Acompanha-se fragmentos da história de três famílias, duas turcas e uma alemã, que se ligam irremediavelmente, formando uma teia de acontecimentos surpreendentes e fascinantes.

Ali é um aposentado turco que inicia um romance com Yeter, uma prostituta quarentona também turca, ambos vivem na Alemanha. Preocupado com o envolvimento do pai com a tal mulher, Nejat, filho de Ali e professor de literatura numa universidade alemã, resolve visitá-lo e conhecer Yeter. Quando é apresentado a ela, Nejat se surpreende ao se deparar com uma mulher batalhadora e companheira, que manda dinheiro todo o mês para a filha Ayten, que mora em Istambul e está em apuros por ser uma ativista política.

Yeter sente confiança em Nejat e se abre com ele contando toda sua história, expondo sua preocupação de mãe pela filha sozinha vivendo na Turquia e que não manda notícias há algum tempo, correndo o risco de ser uma presa política, e lhe faz um pedido para que ele vá até Istambul, encontre sua filha e convença-a a se mudar pra Alemanha.

Na verdade Ayten, que acredita que a mãe trabalha em uma loja de sapatos em Hamburgo, e está sendo perseguida pelo governo, fugiu da Turquia para procurá-la e não encontrando-a após tentar achá-la em todas as lojas de sapatos da cidade acabou vagando nas ruas até conhecer Lotte e ser acolhida por ela. Lotte é uma jovem alemã por quem Ayten se apaixona e as duas começam um relacionamento, deixando Susanne, a mãe de Lotte, preocupada. 

Quando em uma briga doméstica Yeter é assassinada por Ali e o corpo dela tem de ser extraditado para Istambul, Nejat toma todas as providências, e uma vez na terra natal de seu pai resolve ficar e encontrar Ayten, em memória de Yeter. Lá, Nejat compra uma pequena livraria e se estabelece, sempre à procura de Ayten.

Enquanto isso, Ayten que tem o pedido de asilo negado pelo governo alemão é presa, voltando assim pra Turquia e deixando a apaixonada Lotte em desespero, que aflita por ajudar sua amada acaba impulsivamente partindo para Istambul, contrariando todos os apelos da mãe. É quando uma fatalidade acontece e Susanne se vê obrigada a também viajar para Istambul atrás da filha. Em mais uma manobra do destino as vidas de Susanne e Nejat se cruzam e a história parte para o seu emocionante final.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

TANTA COISA


Tenho tantos livros não lidos.
Lugares não visitados.
Filmes não assistidos.
Viagens não feitas.
Perguntas não respondidas.

Perfumes não sentidos.
Bebidas não experimentadas.
Comidas não degustadas.
Flores não recebidas.
Saudades não matadas.

Frutas não saboreadas.
Carícias não sentidas.
Músicas não dançadas.
Contos não escritos.
Histórias não contadas.

Energias não gastas.
Gargalhadas não dadas.
Sexo não feito.
Beijos não trocados.
Emoções não compartilhadas.

Obras de arte não apreciadas.
Grifes não compradas.
Idiomas não aprendidos.
Belezas naturais não exploradas.
Café da manhã na cama não ofertado.

Canções não ouvidas.
Atitudes não ousadas.
Paisagens não contempladas.
Direções não tomadas.
Raivas não extravasadas.

Talentos não reconhecidos.
Distâncias não encurtadas.
Palavras não verbalizadas.
Ideias não transmitidas.
Pessoas não apreciadas.

Caminhos não percorridos.
Mágoas não dissolvidas.
Perdões não concedidos.
Mãos não dadas.
Amores não correspondidos.

É tanta vida ainda pra se viver.
Tenho medo que não dê tempo.
De concretizar os desejos.
De realizar os sonhos! 

segunda-feira, 19 de maio de 2014

PORNÔ - REALIDADE


Precisava de algumas horas de sexo. Os dias, semanas e meses se passavam, o trabalho e os estudos o absorviam, o desejo de encontrar o amor que não vinha o desanimava e a libido só diminuía. Mas não era de ferro e antes de se sentir um alienígena, depois de meses de uma vida quase monástica, saiu à procura de sexo. Uma foda, pura e simplesmente. Longa ou rapidinha, ele só queria gozar com outro cara, na real, pele com pele, saliva com saliva, longe da tela de plasma de seu computador de última geração.

Tomou um banho demorado. Escolheu uma roupa bacana, um perfume irresistível e partiu à caça. Nesses momentos se sentia outra pessoa, era como se uma entidade se apropriasse de seu corpo. Sempre bem comportado, gentil, culto e amável, era difícil até pra ele acreditar que fosse capaz de se submeter a lugares daquele nível, em busca de sexo fácil. Um cinema pornô, desses enormes e que funcionam 24 horas no centro da cidade, onde homens de todos os tipos se entregam á suas mais profundas sordidezes. Mas em determinados momentos na vida, todos precisamos ser sórdidos, principalmente quando se trata de sexo, pensava ele. E essa historia de ficar esperando o arrebatamento amoroso, a paixão, as borboletas no estômago, o brilho nos olhos, se guardando pra esse momento especial, já estava ficando patético.

Lá dentro, uma penumbra que só deixava vislumbrar vultos ao fundo da sala. Gemidos, odores e fluidos se espalhavam por todo o ambiente. Em condições normais ele sentiria ânsia de vômito, mas seus sentidos estavam alterados pela excitação e o desejo.

Andou entre os vultos, tornando-se mais um. Nada o apeteceu. Sentou-se, enquanto esperava surgir alguém interessante. O tesão lhe dava taquicardia. Ao seu lado o Outro o encarava com olhos flamejantes. Em questão de segundos os dois se beijavam ardentemente. E os beijos foram se tornando um crescente de carinhos e ternura impossível de acreditar. A taquicardia foi diminuindo pouco à pouco, dando lugar a uma calmaria no peito. 

O beijo do Outro era doce. Seus lábios, firmes e macios. Os cabelos sedosos. O cheiro inebriante. O cavanhaque, de um arranhar suave. A pele tinha uma textura de pêssego. Um homem difícil de se encontrar num lugar daqueles, assim como ele.

Quando os beijos lhes tiravam o fôlego, encaixavam-se no pescoço um do outro, aspirando seus perfumes embriagantes. O Outro o enlaçava em seus braços fortes, como se quisesse protegê-lo do mundo, guardá-lo só pra si, pra sempre. Beijava-lhe as faces, as mãos, o nariz, os olhos, a testa, os cabelos com tamanha singeleza que ele achou tratar-se de uma grandessíssima ironia do destino. Naquele lugar fétido e nauseabundo, à procura de uma trepada ordinária qualquer, encontrou alguém que o deixou recostar a cabeça em seu peito e entrelaçar suas mãos na dele.

As vezes seguravam seus rostos com as duas mãos olhando-se profundamente nos olhos, incrédulos que pudessem ter encontrado num cinema pornô no centro da cidade a companhia tão almejada. Poderia nascer dali o sentimento acalentado por toda uma existência? 

O Outro precisou ir embora, mas trocaram telefone. Ele não fez sexo aquela noite, mas voltou pra casa leve e feliz. Sonhou com aqueles beijos indeléveis e as carícias perfumadas por dias e noites seguidas. Esperou ansiosamente o telefonema do Outro, mas ele não ligou. Já faz seis meses daquela noite, está começando a pensar em dar um pulinho no cinema pornô novamente, mas dessa vez por mais que o destino venha com suas gracinhas, ele não sai de lá sem trepar.  

segunda-feira, 28 de abril de 2014

HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO


É daqueles filmes que ficam reverberando na sua mente dias e dias depois de assistido. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é tudo o que já disseram e mais um pouco. Cada um tem sua visão particular das histórias que assiste, lê e ouve, e a minha visão particular do longa de Daniel Ribeiro é esse "mais um pouco" de tudo o que já foi dito à respeito da história sutil, delicada e fofa de Leonardo e Gabriel. 

É simples, é uma extensão do curta lindíssimo de 4 anos atrás, mas me deixou tão comovido e enternecido como se fosse uma história de amor entre iguais inédita, e não é. Tantas outras já foram feitas e assistidas e já me comoveram também. Mas Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, teve um gosto diferente. Talvez a doçura imprimida na história, a descoberta do primeiro amor, a deficiência visual de um dos pares, a identificação.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é leve e profundo. Podemos olhar apenas pelo ângulo da graça, da fofura, mas durante a projeção quem para pra se imaginar no lugar de Leonardo? Nascer cego, não saber nem como é seu próprio rosto. Dizem que é mais fácil assim lidar com a cegueira, quando se nasce com ela, mas de qualquer forma, não deve ser bolinho, enxergar só escuridão ou claridade aonde todos à sua volta enxergam em cores. Difícil não se sentir perdido.

Aí seu corpo começa a mudar, seus hormônios afloram e você começa a sentir coisas que antes desconhecia, e então uma nova voz, diferente de todas aquelas que você está acostumado, surge na sua vida e começa a preencher o ar que te rodeia de uma expectativa nova, pulsante, ascendente. Não existe imagens, só vozes, sons, cheiros, projeções, expectativa e muita imaginação. 

Como é de verdade, afinal, ser um adolescente, gay e cego? Impossível afirmar com certeza, a não ser que você seja ou tenha sido. Então, pra não tornar a experiência cinematográfica um suplício nesse exercício de imaginação, relaxamos e nos deixamos levar pela história bonitinha de amor sem reservas de Léo e Ga.

Gabriel faz com que Leonardo, mais do que enxergar, sinta as emoções. Ao andar de bicicleta, ao dançar e até mesmo assistir a um eclipse lunar. E então é inevitável, Léo se apaixona por Gabriel, pelo tempo e atenção dedicados a ele, Gabriel se apaixona por Léo, pela fragilidade e esse jeito de quem sempre precisa ser conduzido por alguém pra conhecer coisas prosaicas como um eclipse lunar, e nós nos apaixonamos pelos dois. Mas não só pelos dois, por Giovana também. Aquela amiga especial e muito bacana, que todos nós já tivemos um dia e nutre um amor platônico pelo melhor amigo, Léo. Quem nunca?

É justamente nesse amor de Giovana por Léo, talvez ainda mais sublime que o de Gabriel, que rolou minha maior identificação. Todos celebram e se empolgam com o romance meigo que nasce entre os meninos, mas quem se coloca no lugar de Giovana, que conhece Léo da vida toda e que guardou um sentimento maior por ele durante sabe-se lá quanto tempo, esperando o momento certo de se abrir? De repente aparece Gabriel, tornando-a quase que indispensável na vida de Léo, fazendo-o descobrir-se gay e ainda despertando um amor irremediável em seu melhor amigo, fazendo-a sentir que todos os anos de amizade e dedicação foram insignificantes. A tristeza e o sofrimento de Giovana, bem como sua libertação e independência de Léo dariam um outro longa, tão ou mais interessante quanto este, mas o foco aqui é a história de amor de Léo e Ga. Ainda assim, não consegui me colocar no lugar de nenhum dos protagonistas, mas sim, no de Gi. Já passei por muitos sentimentos platônicos na minha vida, e sei o sabor nada doce que é. Enfim, Giovana arrasa e rouba boas cenas com seu jeito esquivo e seu charme natural.

No fim, embalado por uma trilha feita pra te fazer suspirar e sonhar com a pureza de um amor sincero, saio do cinema lamentando em discretas lágrimas o primeiro amor que não tive e com esperanças que ele um dia vai chegar. 

domingo, 6 de abril de 2014

365 DIAS


O Blogue de cara nova, comemorando hoje um ano do Meu Pequeno Pantuflee!

E que venham mais 365 dias e muita inspiração!

terça-feira, 1 de abril de 2014

FILMES QUE AMO: "LONGE DO PARAÍSO" #01


Depois de mais de um ano sem postagens sobre os filmes que marcaram minha vida (quem me acompanha desde o BORBOLETAS NA JANELA sabe que eu mantinha lá, uma coluna chamada "Os Filmes da Minha Vida"), retorno hoje a falar de um assunto que adoro: minha paixão pela sétima arte e os filmes do meu coração. Tudo continua igual, a única mudança foi o título da coluna, que agora passa a se chamar "Filmes Que Amo" .

E, pra inaugurar a coluna com chave de ouro, agora no Meu Pequeno Pantuflee, um título especial: Longe do Paraíso.

O filme de 2002, dirigido por Todd Haynes (Não Estou Lá - 2007 / Velvet Goldmine - 1998) é um drama de época com uma produção impecável e de extrema sensibilidade. Com Julianne Moore, Dennis Quaid e Dennis Haysbert, encabeçando o elenco principal.

Acompanhamos a história de Cathy Whitaker, que nos anos dourados da década de 50, juntamente com o marido Frank e os filhos formava uma família perfeita da alta sociedade americana. Sem muitas preocupações aparentes, a vida de Cathy se resume a cuidar dos afazeres do lar, das crianças, estar sempre bela em glamourosos vestidos e envolvida em eventos sociais. Sempre impecável e exalando um ar de elegância e felicidade conjugal, é admirada e tomada como exemplo por amigas e vizinhas.

Mas o mundo de Cathy desmorona quando o que parecia perfeito é desvelado, ao descobrir que seu amado marido mantem relações extra-conjugais com outros homens. À princípio, brutalmente chocada, Cathy sofre, mas não condena o marido, compassiva, aceita e tenta entender quando ele pede que ela não o abandone e explica que precisa de tratamento, porque é doente. Apaixonada, mas também com medo de ser apontada como uma mulher divorciada, ela decide ajudar o marido a buscar um tratamento.

Sempre compreensiva e paciente, Cathy acredita que o marido vai se "curar" e voltar a ser como antes. Mas conforme o tempo passa, o próprio Frank percebe que nada muda e ao se apaixonar por outro homem, abandona Cathy, deixando-a sem chão.

Sozinha na enorme casa com os filhos, Cathy fica reclusa por um tempo, tentando evitar falatórios e julgamentos, mas quando resolve voltar a se envolver com seus eventos sociais beneficentes, sente na pele o preconceito daquelas que antes a admiravam e julgavam amigas. Todas se afastam, rejeitando-a como uma leprosa.

Arrasada e sem rumo, Cathy encontra em Raymond Deagan, um forte e belo jardineiro, uma nova razão pra ser feliz. Negro e pobre ele, assim como ela, é alvo de grandes preconceitos. Entre uma e outra manutenção em seu jardim, Cathy se vê atraída ao gentil e simpático homem, ela sente empatia por ele, e os dois se tornam bons amigos.

Raymond leva Cathy pra conhecer seu mundo e proporciona à ela momentos com os quais nunca sonhou, trazendo de volta ao seu semblante triste, o sorriso. Não demora muito e os dois se veem apaixonados. Mas será que Cathy está preparada para viver esse amor inter-racial numa sociedade tão hipócrita e preconceituosa?

O filme tem um desfecho que nos deixa com um nó na garganta.

Juliane Moore está perfeita, concorreu por esse filme ao Oscar de melhor atriz, sua interpretação é sutil e sublime. Dennis Quaid também está em seu melhor momento, sexy e convincente. E Dennis Haysbert é um tesão de homem, charmoso, delicado e exalando virilidade. Os figurinos são um deslumbramento, assim como a fotografia. Tudo nesse filme é maravilhoso e arrasador. Um filme digno de ser amado!

sábado, 29 de março de 2014

AZUL ESCURO


As luzes piscantes; a batida do som repetida; a fila do bar lotada; os go-go boys sarados, suados, com micro-sungas brancas em suas performances rebolativas; bichas batendo cabelo, outras fazendo carão; gente bêbada; gente frustrada; num canto os bombados discretos, no outro as pintosas afetadas, na eterna e cansativa segregação gay. Meu amigo tinha se enfiado no dark-room. O carinha que eu tinha beijado há uma hora atrás já estava se agarrando com a quarta pessoa depois de mim. Passavam das quatro da manhã, eu já estava de saco cheio daquele circo. Bebericando uma caipirinha de limão, tudo o que eu pensava era que só queria encontrar alguém legal naquela boate, alguém que eu pudesse enxergar à luz do dia no dia seguinte, alguém que não fosse apenas mais um rosto e uma boca aleatória na multidão.

O calor estava insuportável e eu morrendo de vontade de tirar a blusa, mas diante de tantos corpos malhados desisti. Sempre fui meio gordinho, fora de forma e nunca tive coragem de ficar sem blusa na balada. E em meio à esse pensamento sobre corpos e a ditadura da beleza no meio gay ele surgiu entre nuvens de gelo seco e o brilho dos estroboscópios, lindo feito um deus. Fiquei atônito, com a respiração suspensa por segundos, de repente não consegui pensar em mais nada. Vi-o entrando no banheiro, fui atrás sem pestanejar. Sabia que jamais teria uma chance com aquele homem monumental, mas precisava olhá-lo até que ele sumisse do meu campo de visão pra sempre. Me lembrei de uma canção de Ana Carolina e Seu Jorge que diz "eu não sei parar de te olhar, eu não me canso de olhar, não vou parar de te olhar...".  

E no banheiro cheio de gente, quando ele entrou não houve quem não olhasse, todos admirados e embevecidos, desejando uma lasquinha daquele Apolo. Eu fiquei parado num canto, observando o movimento e o frisson que ele causava. Ninguém ficava indiferente àquele pedaço de homem esculpido meticulosamente por uma vida dedicada a exercícios físicos e um rosto que mais parecia pintado por um mestre renascentista, a não ser ele, o carinha de polo vermelha que lavava o rosto na pia, alheio ao burburinho em torno do outro.

Era destoante a indiferença do cara de polo vermelha em meio a todos os olhares de interesse e admiração em torno do boy-magia. Tão destoante que despertou minha curiosidade: por que ele não olhava? Será que era um daqueles caras que abominavam o tipo narcisista, bombado, arrogante, que se acha a última bolacha do pacote e sente um imenso prazer em desfazer dos outros, simples mortais? De qualquer forma, mesmo detestando esses tipos, como eu também detestava, era difícil ficar indiferente ao Mr. Macho Escultural. Nem ao menos uma olhada de esguelha. Agora ele olhava fixamente pro espelho enquanto secava o rosto rosado com o papel-toalha.

O não olhar do cara de polo vermelha chamou a atenção de Mr. Macho Escultural, que propositadamente se aproximou da pia e puxou assunto com ele. De onde eu estava não dava pra ouvir com clareza o que falavam, eram quase sussurros, mas consegui fazer uma pequena leitura labial. O bofe-escândalo disse "Oi", e só então o cara da polo vermelha virou-se pra ele com um sorriso tímido, mas simpático. Mr. Macho Escultural falou algo sobre os olhos dele serem lindos, e pelo que eu pude perceber de longe eram azuis, pareciam bonitos mesmo, mas depois desse elogio ele pareceu ficar ainda mais tímido. Agradeceu o elogio e fez menção de ir embora, porém Mr. Macho Escultural, inconformado em ser dispensado, deu seu golpe de misericórdia. Puxou o outro pelo braço, pedindo que esperasse um pouco e tirou a camisa, exibindo seu perfeito e maravilhoso torso nu, indagando em seguida: - Que tal, gosta do que vê?
Com aparente ar de incredulidade, o cara da polo vermelha rebateu: - Como? Mr. Macho Escultural fez com que a mão do outro pousasse em seu peito dourado e musculoso e arrematou: - Isso tudo pode ser seu. Já pensou quantos aqui não queriam estar no seu lugar? O cara da polo vermelha parecia chocado e indignado, afastou-se com veemência e disse que não estava interessado. Enfurecido, o mais cobiçado rejeitado da noite vociferou: - Você é um babaca cara, nunca ninguém me dispensou assim. Nunca mais vai ter uma chance como essa, imbecil! E saiu feito um boi brabo, batendo a porta.

Imediatamente o banheiro se esvaziou. Ficamos eu e o carinha de polo vermelha, sozinhos. Ele parecia meio zonzo, meio desnorteado. Recostou-se na pia, fui falar com ele:

- Oi, você tá bem?
- Oi, tudo bem, sim, foi só uma tontura, já vai passar. Deve ser o calor.

Mais próximo dele, pude reparar o quanto era bonito. De uma beleza suave, mas madura. Parecia ser uns dez anos mais velho que eu. O cabelo era bem escuro, negro e muito liso, tinha a pele branca quase rosada e olhos azuis cristalinos que pareciam olhar através de mim. O corpo também era muito bonito, em forma, bem diferente do meu. Estava vestido de um jeito que eu gosto, calçava tênis da Nike, uma calça jeans escura, e claro, uma polo vermelha da Burberry.

- Meu nome é Igor.
- Prazer Igor, Caio!
- Adoro esse nome, Caio!
- Obrigado!
- Chato o que aconteceu, né? Aquele cara foi um idiota!
- Foi o que pareceu, um grandessíssimo idiota!
- Mas eu tenho que confessar, poucas pessoas dispensariam um cara daquele. Só alguém mesmo muito seguro de si. Em nenhum momento você sequer olhou pra ele, só quando ele foi falar com você, enquanto todo mundo aqui tava babando por ele. Isso mexeu com a vaidade dele. Queria ser como você, não me impressionar com esse tipo de cara, ser mais eu, sabe?
- Você jura que também não percebeu? - Questionou-me ele.
- Percebi o que?
- Olha bem nos meus olhos! - E Caio se posicionou diretamente em frente ao meu rosto, e então eu me dei conta. Seus olhos me traspassavam porque Caio não enxergava, ele era cego. E de repente uma onda de amor e doçura me envolveu como um abraço quente. Ofereci uma bebida pra ele e saímos do banheiro.

Conversamos muito. Toquei o rosto dele e ele tocou o meu. Eu finalmente conheci o cara mais legal de todos, aquele que esperei por noites intermináveis. E na escuridão do azul profundo de seus olhos, ele me enxergou além da superfície e me amou mais do que eu jamais sonhei. E eu o amei. E nós nos amamos!

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

QUANDO HOMOSSEXUALIDADE E PEDOFILIA FORAM TEMAS CENTRAIS EM DUAS NOVELAS


Quando um autor pensa em uma novela com a qual ele estará envolvido e absolutamente absorvido por um mundo fictício, onde será Deus, criando e manipulando a vida de algumas dezenas de pessoas, durante pelo menos um ano inteiro, sendo senhor quase sempre incontestável do destino de todos, ele precisa no mínimo dissertar sobre um assunto que o fascine, que mexa consigo de alguma forma que o impulsione a criar situações que façam a história parecer atraente e interessante de ser contada, prendendo o telespectador inexoravelmente pelos quase ou mais de 200 capítulos de uma telenovela. 

Não raro o mote principal de uma trama folhetinesca trata-se de uma história de amor. Geralmente triângulos amorosos ou amores que topam com o obstáculo da diferença social. De tempos em tempos os autores tentam se renovar, criar novas tramas, novas situações, mas os amores dificultosos sempre estão lá presentes, por mais inovadora que as tramas pareçam. Vide Avenida Brasil (Nina e Jorginho) e Salve Jorge (Morena e Theo), a primeira em ritmo seriado, com película de cinema, pautava seu tema em uma grande vingança, história forte e densa, muito bem conduzida por autor e direção, que conquistou milhares de fãs ardorosos, encerrando seus 179 capítulos como um grande sucesso. Já a segunda trama citada, escrita por Glória Perez, não teve o mesmo impacto de sua antecessora, muito menos o sucesso retumbante desta. Rainha em abordar temas que envolvem grandes campanhas sociais, muitas vezes de forma bem sucedida, a autora encerrou seu último trabalho com a triste pecha de enorme fracasso.

Em ambos os casos mencionados, tanto um quanto o outro apostaram em algo que acreditavam, era uma boa história a ser contada, com assuntos que certamente os empolgavam particularmente e que conduziram da melhor maneira que acharam possível para conquistar o público. Um foi feliz em sua missão, o outro não.

No entanto, quando um novelista se propõe a trazer como tema principal de sua trama algo que foge do tradicional amores impossíveis, triângulos amorosos, briga pelo poder e mais uma porção de clichês que já conhecemos bem, precisa usar de muito tato e inteligência para não afugentar o público fiel ao gênero e nem tornar a história indigesta. Estamos acostumados a ver em nossas telenovelas ao longo dos anos, os mais diversos e polêmicos temas serem abordados, mas sempre como história secundária, com a missão de alertar e levar um pouco mais de informação ao telespectador que desconhece o assunto em questão. Temas como incesto, alcoolismo, dependência química, Síndrome de Down, cleptomania, esquizofrenia, crianças desaparecidas, transformismo, deficiência visual, auditiva, violência doméstica, autismo e mais uma série, já foram abordados com boa repercussão, mas sempre ali meio de canto, no quartinho dos fundos, esperando os conflitos do casal principal dominar a cena na sala pra depois aparecer como coadjuvante, nunca como tema principal, que permeasse a história dos protagonistas, mostrando que na verdade todo mundo com seus defeitos, vícios e demônios é protagonista de sua própria vida, independente de ter ou não uma grande história de amor heteronormativa que só acabará bem se culminar no "felizes para sempre".

Porém, e apesar de, uma vez ou outra surgem autores corajosos, movidos por um profundo desejo de contar uma história em que acreditam, mesmo que o fio condutor da narrativa seja um tema incômodo, onde precisem andar no fio da navalha pra levar aos lares dos espectadores uma trama que quebre a resistência e a ignorância da grande massa, driblando-a e encantando-a. Para isso os responsáveis por tais histórias tecem uma teia por muitas vezes intrincada, onde não imaginamos no que vai dar, costurando-a de forma à envolver sem chocar e somente no final, lá no último capítulo é que nos damos conta de que a novela foi uma grande ousadia, que quebrou paradigmas e nos apresentou como tema principal um enredo que seria impensável e rejeitado com grande repulsa pelos telespectadores, se tivesse sido anunciado de antemão. Satisfeitos com os resultados por receber uma novela cuja a trajetória foi cativante, nos damos conta da grandiosidade da obra e sua narrativa, apenas no desfecho de seu capítulo 200 e pouco.

Pensei nisso tudo ao me lembrar de duas novelas com temas centrais espinhosos. Houve dois momentos na teledramaturgia do horário nobre da Rede Globo em que os autores Sílvio de Abreu e Walcyr Carrasco abordaram como carro-chefe de suas histórias a pedofilia e a homossexualidade. Ambos os temas foram a espinha dorsal, respectivamente das novelas Passione (2010) e Amor à Vida (2013)

Talvez alguns não se lembrem, mas na novela de 2010, Passione de longos 209 capítulos, Fernanda Montenegro como Bete Gouveia era o grande nome da trama. Ela interpretava uma rica empresária, mãe de três filhos, que buscava reencontrar o filho mais velho ilegítimo, Totó de Tony Ramos, o qual pensava ter morrido no nascimento há cinquenta anos, mas descobre no leito de morte do marido que este, sem estrutura para criar o filho de outro, entregou-o a um casal de empregados italianos que voltou a sua terra de origem para cuidar da criança por lá. Ao descobrir toda a verdade, Bete vai em busca do filho na Itália. O mote principalmente da trama aparentemente era esse, todos os conflitos envolvidos nessa revelação familiar, tanto pros Gouveia quanto pra família de Totó e os desdobramentos dessa história envolvendo rejeição, ambição, mentiras e grandes golpes. Golpes esses armados pelos vilões Clara (Mariana Ximenes) e Fred (Reynaldo Gianecchini), que pareciam estar interessados somente no dinheiro de Bete Gouveia, embora houvesse também uma motivação por vingança da parte de Fred, que viu seu pai se matar após sofrer um acidente de trabalho na fábrica dos Gouveia e ser afastado por invalidez. No entanto toda essa trama intrincada, onde a grande vilã e verdadeira protagonista Clara, enlouquece o velho Totó de paixão e casa-se com ele pra dar o golpe do baú, revelou-se em seu último capítulo ser basicamente sobre pedofilia e os traumas causados por tal crime. Pois todas as motivações de Clara no fim, revelaram-se por ela ter sido abusada na infância pelo filho mais velho dos patrões de sua avó, que na época era empregada na casa dos Gouveia e aceitava dinheiro de Saulo (Werner Schünemann) o primogênito da família, para que molestasse à vontade sua neta. Por aí já temos uma ideia de como deve ter crescido a pequena Clara, sendo vendida pela própria avó, à mercê de um homem escroto e sem caráter. E a vó maldita, vivida abominavelmente bem por Daysi Lúcidi, provando total falta de escrúpulos, depois de aposentada, continuou fazendo o mesmo com a neta mais nova, vendendo-a por uma noite aos hóspedes de sua pensão. A menina era irmã de Clara, a qual esta a defendia com unhas e dentes contra a vó do mal. À certa altura da trama, o personagem Saulo é friamente assassinado à facadas num quarto de motel, e do meio pro final o "quem matou Saulo?" torna-se o grande mistério da trama, revelado no último capítulo. A terrível assassina é nada mais nada menos que Clara Medeiros. Além de todas as maldades que aprontou com os pobres mocinhos da história, Clara fecha sua grande trajetória de vilanias com seu maior objetivo, eliminando o homem que a violentou durante toda a infância. E no fim entendemos que a única vítima da história toda era ela. De repente, com a surpreendente revelação nos momentos finais da trama, sobre os verdadeiros motivos da vilã com cara de anjo, tudo se justifica e a perdoamos por todas as suas crueldades. Achei esse desfecho sensacional, Sílvio de Abreu foi extremamente inteligente, cauteloso e audacioso ao conduzir sua história alicerçada em um tema tão indigesto, de maneira magistral. A trama em si não foi das melhores, teve "barriga" e ficou enfadonha durante um tempo, sem contar que vilões serem os assassinos misteriosos dos "quem matou?" é o maior balde de água fria, pelo menos pra mim, mas nesse caso tudo se encaixou à perfeição e foi maravilhoso ver um grande autor dar o seu recado de forma tão contundente e bem feita. 
 

Recentemente, à menos de um mês, podemos acompanhar ao longo de inacreditáveis 221 capítulos o desfecho da novela Amor à Vida, escrita por Walcyr Carrasco. Onde, a despeito de Bruno (Malvino Salvador) e Paloma (Paola Oliveira) com seus dramas familiares e amorosos, bebê jogado em caçamba de lixo, vingança de secretária, golpe do baú em mocinha com câncer e mil campanhas sociais mal abordadas, o que o autor quis realmente foi escrever uma história sobre a homossexualidade, a não aceitação desta pela pessoa que mais se admira e as consequências disso, que é a falta de amor e compreensão, na cabeça de um gay que se enruste para obter a aceitação daquele, que pra ele é o exemplo máximo a ser seguido. Então nasceu Félix Khoury (Mateus Solano), gerado como o vilão-mor da trama, capaz das maiores atrocidades por dinheiro, poder e a aceitação pelo abjeto pai César Khoury (Antônio Fagundes). Com uma aceitação absurda ao vilão gay, Walcyr viu seu caminho livre para dar as nuances que quisesse ao personagem e deitar e rolar, até finalmente transformá-lo num vilão redimido, tornando-se o verdadeiro herói e mocinho da novela, com direito a par romântico, torcida do público para que fosse feliz no amor e um emocionante e apaixonado beijo no final. Muito se disse e até mesmo o próprio Wacyr declarou várias vezes que escrevia conforme a reação do público, o que subentende-se que talvez a ideia inicial da trama não fosse essa, mas sinceramente não acredito. Aposto que Walcyr já tinha essa ideia guardada na caixola há tempos, e conseguiu muito espertamente conduzir sua trama, à se tornar não só a primeira novela a exibir um beijo gay em uma trama da Globo, mas a primeira novela do Brasil a ter um protagonista e um casal principal gays. A novela foi de Félix e o romance mais instigante e enternecedor foi o dele com Niko (Thiago Fragoso), com destaques para alguns coadjuvantes como Márcia (Elizabeth Savalla), César, Pilar (Suzana Vieira), Valdirene (Tatá Wernewck) e Aline (Vanessa Giácomo), que estavam todos direta ou indiretamente ligados a ele, que foi de vilão à herói, de bandido à mocinho apaixonado, sempre com muito humor e veneno até obter seu maior desejo: a aceitação do pai e sua declaração de amor nos últimos minutos, da última cena, do último capítulo, no final mais emocionante e melancólico de uma novela, nos últimos dez anos. Walcyr falou e fez tudo o que desejou através de Félix, fechando com chave de diamante sua novela tão criticada e verdadeiramente cheia de defeitos, mas deu de presente à uma minoria tão discriminada, uma novela pra chamar de sua.

Um dia eu sonhei que dois homens gays poderiam protagonizar uma novela. Isso foi em 2005, quando Glória Perez fazia América, e em seus primeiros capítulos o garoto gay Júnior (Bruno Gagliasso), filho da fazendeira Neuta (Eliane Giardini), e ainda confuso em sua orientação sexual, começava a sentir um amor platônico pelo peão Tião (Murilo Benício), protagonista da trama, que o ensinava a montar à cavalo. Naquelas cenas, em que Júnior olhava Tião com ar de admiração e desejo reprimido, me vi no personagem, muitas vezes identificando perfeitamente o que ele sentia. E pensava ingenuamente o quão ousado e fascinante seria se por alguns segundos apenas, Tião o correspondesse com o mesmo olhar, nem precisava acontecer nada literal, mas uma insinuação, uma possibilidade. Tião tinha seu objeto de desejo, seu par romântico, a mocinha Sol (Déborah Secco), mas um protagonista bissexual talvez, por que não? Algo que ficasse subentendido, pra encher o coração de Júnior de esperança e os nossos também, gays apaixonados por novelas. Mas obviamente que nenhuma mínima insinuação aconteceu, isso detonaria a imagem do galã viril e rústico perante a esmagadora maioria de telespectadores. Nem ao menos o beijo entre Júnior e Zeca (Erom Cordeiro), seu par romântico na trama aconteceu, apesar de super alardeada na época. E eu tive a mais absoluta certeza de jamais teríamos um casal gay protagonizando novelas no Brasil, mas quase dez anos depois o sonho se tornou real, de maneira mansa, sutil e linda o amor entre iguais foi representado de forma indelével e inesquecível. Um amor que já ousa dizer seu nome.

À Walcyr e Sílvio meus parabéns e minha gratidão por fazerem de seu ofício motivo de orgulho e grande emoção àqueles, que assim como eu sempre foram fãs do gênero, e a despeito de quem enche a boca pra condenar os que assistem novela, julgando ser entretenimento para alienados, tem plena certeza e confiança de que o estilo não é uma obra menor, apesar do apelo popular. Sempre me interessei pela arte considerada maior como literatura, teatro, cinema, artes plásticas, música clássica e continuo interessado, mas a primeira forma de arte a qual tive contato foi a telenovela brasileira e se não fosse por ela demoraria um bocado pra me aproximar das outras. Hoje consigo manter um filtro com relação as novelas atuais, e nem tudo ou quase nada me apetece como antigamente, mas deixar de apreciar uma boa trama escrita incansavelmente pelos melhores novelistas do mundo, não creio que deixarei.