terça-feira, 12 de novembro de 2013

É IMPOSSÍVEL SER FELIZ SOZINHO?





Acordou às 7. Tomou dois goles ligeiros de café preto. Fez sua corrida matinal aos arredores do parque que tinha em frente ao seu apartamento. Voltou pra casa suado, como de costume. Tomou uma ducha fria. Preparou uma caprichada mesa pra fazer sua primeira refeição: pão fresco, suco natural feito na hora, queijo, patês e morangos, adorava morangos pela manhã. Antes de pegar no batente, àquele ritual era sagrado. Um pequeno prazer matinal que enchia de satisfação o corpo e a alma.


Enquanto tomava o café e apreciava a belíssima vista verdejante que o parque proporcionava da janela de sua sala, no som ouvia Wave. Adorava a canção de Tom Jobim, mas quando chegava na parte em que ele entoa que "é impossível ser feliz sozinho", emitia um silencioso sorriso de desdém. Era um homem solitário, talvez por opção. Gostava da solidão auto-imposta e não se sentia infeliz em absoluto.

Às 9 trancou-se no escritório. Tinha acabado de ser contratado por uma editora e estava às voltas com um novo romance. Enquanto escrevia, sentiu Barbarella ronronar e enroscar-se em suas pernas pedindo comida. Interrompeu o terceiro capítulo na metade para encher o pote da gata angorá cinza, de ração.

Ao meio-dia fez uma pausa pro almoço. Colocou no forno a lasanha congelada de legumes. Serviu-se de uma taça de chardonnay e saboreou sua refeição pensando na proposta que recebera de uma emissora de tv pra roteirizar um seriado. Estava empolgado com a ideia, mas nervoso, seu objetivo era a televisão, a grande massa, queria levar um pouco de entretenimento inteligente para o povo, e as coisas estavam acontecendo como ele sonhara, sem falar no salário de um roteirista de televisão, que era uma fábula. Não poderia estar mais feliz. As coisas se encaminhara, depois de tantos percalços sua vida estava nos trilhos. Morava em um lugar que imaginara meticulosamente, trabalhava com o que mais amava, tinha Barbarella e sua abençoada solidão.

Após o almoço voltou à ativa, precisava terminar o terceiro capítulo. Às 18 horas, encerrou as atividades do dia. Encontrou-se com os diretores da emissora em um piano-bar às 19:45, pra conversar sobre o seriado e o contrato que estava prestes a assinar. Ao som de Billy Holliday e Nina Simone, tudo correu às mil maravilhas, saiu do piano-bar com mais um contrato assinado. Estava feliz como nunca. Recebeu um telefonema da mãe que estava em Aspen, esquiando - presente dado por ele em comemoração aos seus 60 anos - e contou a notícia quentinha, recebida pela mãe com grande estardalhaço. Sua mãe era seu tudo, esteve sempre ao seu lado fazendo o impossível para que realizasse seus sonhos de criança. Era a única amiga de verdade que tinha na vida.

Precisava comemorar sua recente conquista, não cabia em si de alegria. Saiu pra dançar, extravasar. Bebeu, dançou, beijou. Terminou a noite entre lençóis de cetim em um motel. Não trocou telefone, saiu antes, pagou a conta, apesar da insistência do outro pelo número dele, pra que saíssem juntos e pra que deixasse a conta pra ele pagar. Não queria vínculos, apenas uma noite, uma comemoração. Havia desistido dessas tentativas de relacionamento pós balada há tempos. Essa coisa de amor, deixava como inspiração apenas pra seus romances, já havia chegado à idade da razão. Romances em sua vida? Não precisava deles, definitivamente, apenas em seus livros.

Já em casa, após um banho relaxante, observava nu, encostado em sua janela no décimo andar a serenidade da noite. Eram quase 5 da manhã, e o clarão da lua iluminava o quarto, refletindo sob a escrivaninha um porta-retrato, ele e mais cinco amigos com uma cachoeira ao fundo. O último encontro, antes que cada um seguisse seu caminho na vida. Depois daquele encontro nunca mais se viram, trocaram alguns telefonemas, e-mails, mas o contato foi se esvaindo com o tempo. Ele gostaria de voltar ao passado às vezes, mas logo pensava que era sentimentalismo bobo. Afinal era feliz. Feliz sozinho!     

Nenhum comentário:

Postar um comentário