domingo, 3 de agosto de 2014

UMA HISTÓRIA DE OBSESSÃO - PARTE 1


Quando soube da morte de Luan pelo facebook, Gael ficou estarrecido. Já não se falavam há muito tempo, mas de vez em quando, Gael sentia saudades de Luan. Nunca tinham sido grandes amigos, mas no tempo em que trabalharam juntos, eram ótimos colegas de trabalho. Mesmo sendo subordinado de Luan, os dois conversavam muito e se davam super bem. Gael achava Luan divertido e admirava seu humor ácido, e seu jeito prático e direto, às vezes até sendo cruel em suas colocações, mas sempre humano e compreensivo. Gael, de natureza mais dócil e frágil, por vezes invejava a atitude e a segurança de Luan. Até mesmo, quando soube do envolvimento entre ele e Santiago, Gael sofreu, mas não conseguiu sentir raiva de Luan.

Santiago era o homem dos sonhos de Gael, mas acabou virando seu maior pesadelo. Ambos começaram ao mesmo tempo na empresa, e embora Santiago tenha demorado pra perceber a presença tímida de Gael, durante o treinamento, os olhos de Gael captaram a de Santiago desde o primeiro segundo em que estiveram juntos no mesmo ambiente. E durante os intermináveis dias de treinamento, a mínima menção a presença de Santiago, causava tremores, palpitações, olhos brilhantes e suspiros profundos em Gael. Santiago não era o homem mais bonito que Gael já tinha conhecido na vida, mas diante dele não conseguia se lembrar de nenhum outro.

No derradeiro dia de treinamento, durante o intervalo pro lanche, Santiago finalmente se aproximou de Gael, que no ápice de sua timidez mal conseguiu disfarçar o rosto pálido e o sorriso amarelo, sem graça, quase desesperado. Afinal, o homem dos seus sonhos, o "cara perfeito", finalmente notava sua presença. O que dizer numa hora dessas? Como se comportar? Como agir naturalmente? Gael definitivamente não sabia. E se recuperando, logo após uma ligeira privação de sentidos, conseguiu respirar fundo e sorrir, oferecendo educadamente um pedaço de seu sanduíche, que gentilmente, Santiago recusou.

Desde então, fluiu uma bonita amizade entre Gael e Santiago, amizade essa que crescia a cada dia. Eles estavam sempre próximos no trabalho, um ajudava o outro, conversavam amenidades, trocavam confidências, contavam piadas. Eram parceiros, dois grandes irmãos, mas a paixão que Gael acreditava que passaria com a amizade, só aumentava, e o atormentava. Quanto mais ele conhecia Santiago, quanto mais sabia de suas qualidades e fragilidades, sua batalha de vida, seus sonhos, mais o admirava, mais o amava e desejava como homem, como amante. Mas Santiago não dava sinais de que tal sentimento pudesse ser correspondido, de que pudesse passar de pura amizade fraternal.

Sufocado pela falta de coragem de se declarar, Gael se abriu com Laura, uma amiga de confiança dele e Santiago, que logo lhe aconselhou a confidenciar seus sentimentos. Gael passou a fantasiar como seria dizer a Santiago que o queria mais que um amigo e o amava profundamente. Devaneava docemente que ele ficaria surpreendido e feliz e depois confessaria que também era apaixonado por ele, e os dois iniciariam um namoro e viveriam um lindo romance cheio de ternura e paixão. Mas no fundo, Gael não acreditava nisso, não se sentia verdadeiramente capaz de provocar qualquer sentimento além de amizade em Santiago. Se sentia pouco atraente e sem graça perto do homem lindo, charmoso e sedutor que ele era. E por fim, se conformava em ocultar seus reais sentimentos e manter a amizade leal e sincera de Santiago, do que arriscar uma declaração e afastar de vez seu grande amor.

A situação íntima de Gael, que já era um sofrimento pra ele, piorou muito com a troca de supervisor que ocorreu no setor em que trabalhava, dois meses depois. Luan era o novo supervisor, decidido, empertigado, tinha postura de quem sabia o que queria e corria atrás, doa a quem doesse. Por outro lado, também era a alegria do setor, e conquistava a todos com seu jeito espontâneo e sagaz, inclusive Gael, que ficou tão fascinado pelo jeito de seu novo superior, que começou a trocar confidências com ele, o que o levou a contar mais do que talvez devesse. Em sua ingenuidade, Gael acreditava que Luan poderia realmente ajudá-lo com seus conselhos, sempre tão inteligentes, e falou pra ele sobre seus sentimentos por Santiago. Luan não era mal, mas como uma velha raposa que era, passou a prestar mais a atenção em Santiago, mas não com intenção de fazer alguma ponte entre ele e o iludido Gael.

Luan também tornou-se íntimo de Laura e cada vez mais próximo de Santiago. Uma proximidade que intrigou Gael. Uma desconfiança. Mas ele não podia, não queria acreditar em sua intuição. Preferiu pensar que estava imaginando coisas. Mas, por mais discreto que todos fossem, Luan, Santiago e Laura, havia um clima diferente no ar, uma situação da qual ele não fazia parte, e isso o incomodava e entristecia. Laura e Santiago eram seus melhores amigos, e Luan era o chefe querido, com quem ele conversava sobre tudo. Então, por que sempre que ele se aproximava enquanto os três conversavam em uma rodinha, quase cochichando, eles rapidamente mudavam de postura e assunto? Ou quando conversavam Luan e Laura ou Luan e Santiago?

Um dia, sem mais suportar a sensação de exclusão, praticamente implorou à Laura que lhe contasse o que estava havendo, pois em outras tentativas, com qualquer um dos três, sentia-se sempre ludibriado. E finalmente, vendo a angústia do amigo, Laura contou. Luan e Santiago estavam de caso há algumas semanas.

Gael engoliu seco, sentiu como se uma bomba tivesse explodido em sua cabeça. Laura viu os olhos do amigo rasos d'água, sentiu que o havia ferido fundo, mas já não suportava mais vê-lo angustiado. Uma hora ele haveria de saber, só não tinha contado antes porque queria adiar ao máximo a mágoa que ele sentiria.

Os dias se passaram, e Gael sofreu como nunca. Pensava em Santiago e Luan, e chorava, na cama, no chuveiro, vendo TV, ouvindo música, até comendo as lágrimas vinham intrusas e fartas. A dor o dominava. Sentia-se dilacerado, impotente, incapaz de brigar pelo seu amor. Tinha complexo de patinho feio, pensava que jamais poderia competir com Luan. Tinha vontade de desaparecer, nunca mais olhar na cara de nenhum dos dois. Sentia vergonha de achar que um dia Santiago poderia olhá-lo com outros olhos, como se Santiago fosse superior à ele. Entrou em um processo de auto-depreciação e baixa auto-estima. No trabalho mal conseguia falar com Santiago, porque a relação entre ele e Luan parecia estar ficando cada dia mais séria, e ele tinha uma sensação terrível e amarga de que Santiago sabia que ele o amava, e isso era a morte. Por diversas vezes fantasiava que era a grande chacota entre Luan e Santiago, que os dois quando juntos se riam e debochavam dele, por ser romântico, bobo e sem noção, achando que pudesse ter algo com Santiago. Mas de concreto, ele nunca viu nenhum comentário e nenhum tipo de deboche. Ambos eram muito discretos, e nunca assumiram nada. Todas as informações sobre os dois eram dadas por Laura, depois de muita insistência dele em saber, deixando-a sempre dividida entre Luan e Santiago e ele, que era amiga dos três e sentia-se numa "sinuca de bico".

Quando as coisas começaram a esfriar entre Santiago e Luan, Laura sentiu-se aliviada, pois poderia dar uma boa notícia à Gael e não se envolveria mais no caso. E as coisas esfriaram porque Luan começou a se apaixonar por Santiago e querer algo mais sério. Mas a leveza de um relacionamento sem compromisso era tudo o que interessava à Santiago, sem paixões incendiárias nem cobranças, apenas um sexo bom e uma companhia agradável em momentos pontuais. E como Luan tinha uma certa tendência á Alex Forrest de Atração Fatal, Santiago achou melhor botar um ponto final em seu envolvimento e evitar o que ainda podia ser evitado.

Gael ficou feliz ao saber que o caso não passou de uma aventura para Santiago, sentiu até um pequeno sabor de vingança, pois imaginou que Luan estivesse sofrendo, e a sensação era boa, vê-lo passar pelo que ele estava passando há meses. Mas também sabia que Luan era prático e jamais se auto-flagelaria como ele, o sofrimento de ambos jamais se igualaria, e isso o deixava péssimo. Logo Luan estaria com outro e Santiago também, mas ele continuaria curtindo seu maldito amor não correspondido, já não tinha mais nenhuma esperança, mas também não conseguia arrancar Santiago da cabeça nem do coração. Até que tomou uma drástica decisão, precisava fazer algo por si mesmo.

Gael foi à procura de um novo emprego. Em poucas semanas assinava seu pedido de demissão. Luan tentou persuádi-lo da ideia, pois o achava ótimo profissional, mas Gael foi irredutível. Na hora das despedidas, deixou-se levar pela emoção. Abraçou com paixão à Santiago, que ainda amava, mas estava decidido a deixar de amar, tão logo atravessasse a porta da rua, e carinhosamente se despediu de Luan, de quem realmente não sentia raiva, apesar de certo resquício de ciúmes e inveja. Tudo absolutamente civilizado e honesto.

O tempo passou e o único contato que Gael tinha com Santiago e Luan era pelas redes sociais. Na verdade, Luan era apenas um número em sua lista de amigos, já que nunca disse um "oi" pelo face. E Santiago, de vez em quando dava um "oi", mas sempre sem muita paciência pra papo. Gael o stalkeava vez ou outra, pra matar a saudade, até que um dia Santiago o excluiu. Gael não entendeu, ficou chateado, rolou uma mágoa, mas percebeu enfim, que não podia mais alimentar um sentimento que já não fazia mais nenhum sentido. De vez em quando ele tinha saudade de Luan e sentia vontade de deixar uma mensagem, marcar um encontro, rir do passado e das ótimas tiradas que ele sempre tinha, mas sempre desistia da ideia, achava que seria humilhante ficar correndo atrás de quem nem lhe dava bola. No fundo, dentro daquele triângulo, ele era a única pessoa sincera, Luan e Santiago nunca haviam gostado dele de verdade, era o que pensava. Resolveu enterrar o passado de uma vez por todas.

Dois anos depois de se demitir, ao ver um link de luto compartilhado por Laura no facebook, em choque, Gael tomou conhecimento da morte de Luan. Os sentimentos ficaram embaralhados, angústia, tristeza, carinho, piedade, perda... Eles não eram amigos, mas existia uma ligação forte entre eles, ambos amaram o mesmo homem e foram rivais elegantes, quase amigos. Pelo menos agora, Gael tinha uma certeza, a morte de Luan destruía em definitivo qualquer fantasma que ainda pudesse existir daquele triângulo amoroso do passado. Mas isso não era verdade.


continua...

Um comentário:

  1. Que belo texto! passado presente e futuro, tudo numa so reflexão! lindo , obrigado por ter compartilhado! abs

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